Volta às aulas em São Paulo

Sorrir com os olhos: adaptações de escolas públicas na volta às aulas

Três professoras da rede pública de São Paulo contam sobre as adaptações na volta às aulas e avaliam o saldo da educação após um ano e meio de aprendizagem remota.

Por Beatriz de Oliveira

03|11|2021

Alterado em 03|11|2021

Telas de celulares mediaram o aprendizado dos estudantes durante a suspensão de aulas presenciais em razão da pandemia de Covid-19. A volta à “normalidade” não foi possível mesmo com o gradual retorno às salas de aula. Abraços não são permitidos, máscara faz parte do uniforme, álcool em gel se torna mais um material escolar e o distanciamento é regra.

As crianças e jovens estudantes de São Paulo tiveram a possibilidade de retornar ao ambiente escolar após quase um ano de aprendizagem remota. Em fevereiro de 2020, o Governo do Estado de São Paulo liberou a abertura de escolas para o início do ano letivo. Em abril, 35% dos alunos poderiam estar presentes nas unidades.

Já em agosto de 2021, a Prefeitura de São Paulo permitiu que todos os estudantes voltassem às escolas por meio de um sistema de rodízio. Dois meses depois, o governo anuncia o retorno obrigatório de 100% dos estudantes às aulas presenciais, dessa forma não há mais a opção de ficar apenas no ensino remoto. A medida passou a valer no dia 18 de outubro.

Levantamento realizado pela Rede de Pesquisa Solidária em Políticas Públicas e Sociedade e publicado em junho deste ano indicou necessidade de melhorias nos protocolos de estados e municípios com a volta às aulas presenciais.

Os pesquisadores criaram o Índice de Segurança do Retorno às Aulas Presenciais (ISRAP), que leva em consideração itens como distanciamento, higienização, máscara, ventilação e testagem. Diante disso, o estado de SP recebeu a nota 46, abaixo da média dos estados. O indicador vai de 0 a 100.

Diante deste cenário, os profissionais da educação tiveram mais uma vez que adaptar atividades para evitar riscos de contaminação. Para entender como se deu esse retorno, conversamos com três professoras que atuam no ensino público de São Paulo.

Joice Aziza leciona História para alunos do 9º ano de escola estadual na cidade de Caieiras. Juciele Nobre é pedagoga e diretora de uma EMEI (Escola Municipal de Educação Infantil) na zona sul de SP. Já Caetana Souza*, leciona em uma escola pública municipal para alunos do Ensino Fundamental II.

Retorno às salas de aula foi marcado por adaptação

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Joice Aziza leciona História para alunos do 9º ano de escola estadual na cidade de Caieiras.

©arquivo pessoal

“Retornar a escola foi um processo novo, de adaptação e de muitas incertezas”, revela Joice. Entre as adaptações estão as demonstrações de afeto. “Eu mesma, antes da pandemia nutria o hábito de receber os alunos no portão, desejando bom dia e abraçando-os” diz a professora, que acrescenta: “e não fazer isso, me deixou sem rumo”.

Além do cuidado com o distanciamento, há outros protocolos recomendados pelo poder público. Entre as regras, está o uso de máscara, higienização frequente das mãos, medição de temperatura e ambientes arejados.

As três professoras relatam que suas escolas buscam cumprir as determinações, no entanto, há dificuldades. Caetana afirma que o governo diminuiu o número de funcionários da limpeza, o que dificulta o cumprimento das medidas. “Isso tudo associado à cultura do descaso com o uso de máscara, fora da escola, a falta de vacinação da primeira e segunda dose, amplia o perigo”, diz a profissional.

Joice, por sua vez, afirma que sua escola tem uma boa quantidade de álcool em gel e máscaras, que são disponibilizadas aos alunos. Mas pelos relatos que escuta, entende que a situação é exceção.

Mesmo com os esforços dos educadores e demais profissionais para manter um ambiente seguro, há escolas em que as aulas presenciais foram suspensas devido a casos suspeitos e confirmados de Covid-19, procedimento que está definido nos protocolos de volta às aulas presenciais. Foi o que aconteceu com as escolas em que Juciele e Caetana trabalham. As suspensões ocorreram em junho e outubro, respectivamente.

O medo ainda é um sentimento presente.

“Quando a gente pensa no retorno, a gente tem sempre medo, e esse medo é natural, é saudável até que a gente tenha medo, porque existe o risco de doença, existe o risco de morte”.

A partir de 3 de novembro, não haverá mais a necessidade de distanciamento de um metro no ambiente escolar. E por isso, não será mais necessário adotar o revezamento de estudantes em São Paulo, conforme determinação do governo. Dessa forma, todos os alunos deverão comparecer à escola de modo simultâneo. A exceção é para estudantes que fazem parte do grupo de risco e não completaram a vacinação.

Olhos que sabem sorrir

A EMEI que Juciele dirige atende 560 crianças de quatro e cinco anos de idade. Enquanto os adultos são mais resistentes às mudanças, “para criança é sempre tudo novo e sempre tudo muito lúdico”, relata a diretora. Um exemplo disso, é a fila com distanciamento que organizaram na escola, cada criança deveria ficar em um espaço demarcado por bolinhas coloridas desenhadas no chão. O cuidado com o vírus não impediu a possibilidade do brincar. “Muito engraçado que as crianças brincavam com isso, com a posição na fila, apontando para o coleguinha a demarcação no chão, a bolinha no chão”.

Juciele conta também que em uma das turmas, a professora faz Yoga com os alunos e sugeriu que a eles a brincadeira de sorrir com os olhos para o colega ao lado.

“Essa perspectiva de sorrir com o olhar é aquilo da gente readaptar inclusive o acolhimento, a afetividade, o carinho que a gente antes transmitia com o abraço”.

O retorno às aulas presenciais também rendeu momentos cômicos, como conta a professora Caetana. Ela lembra de seus colegas felizes por ter chegado giz colorido na escola e também o relato de uma professora que tirou a máscara para beber água e ouviu de uma aluna: “professora a senhora tem boca!”.

Por outro lado, foi um outro ponto que mais marcou o retorno para a educadora Joice: a baixa frequência das meninas. “Das que conversei, muitas se sentiam inseguras para retornar, outras aproveitavam que o retorno era opcional, ficavam com seus irmãos, e outras aproveitaram para arrumar um emprego ou até se ocupar com os afazeres domésticos”, revela. Ela explica que depois de dois meses de retorno, o número de meninas aumentou, no entanto, ainda são minoria.

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Obstáculos do aprendizado

Da passagem das aulas remotas para as presenciais, Caetana conta que não verificou mudanças na postura dos alunos. Aqueles mais dedicados, continuaram assim e os que não tinham rotina de estudos, não passaram a ter.

Por outro lado, mais obstáculos para o aprendizado apareceram. “As famílias estão mais pobres, alguns estudantes estão órfãos, outros os pais se separaram, outros perderam a casa, estão morando com parentes e tudo isso também contribuiu para o desafio de estudar” relata a professora.

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Juciele Nobre é pedagoga e diretora de uma EMEI (Escola Municipal de Educação Infantil) na zona sul da cidade de São Paulo.

©arquivo pessoal

Para Juciele, que atua na Educação Infantil, durante o isolamento social as crianças puderam obter outros tipos de aprendizado. “Eu não acredito de verdade que houve uma perda no desenvolvimento das crianças, eu não acredito nisso de forma alguma, justamente por essa plasticidade do desenvolvimento que a criança capta tudo o tempo todo”, explica.

De acordo com resolução do Governo Federal, há possibilidade de reprogramação dos calendários escolares de 2021 e 2022. A Educação Infantil ficou desobrigada de cumprir o  mínimo de dias de trabalho educacional e a carga horária mínima. Enquanto os ensinos Fundamental e Médio também não precisam cumprir o mínimo de dias, mas devem ter carga horária mínima de 800 horas anuais.

“Temos estudantes sem nenhum contato com a escola devido a um quadro amplo de vulnerabilidades” afirma Caetana. Entre essas vulnerabilidades está o acesso a internet e a equipamentos eletrônicos, necessários para a realização de aulas remotas, que ainda acontecem no contexto do ensino híbrido.

Joice explica que na unidade escolar em que leciona há poucos alunos nessa situação, os quais têm a opção de retirar as atividades impressas na escola. Além disso, alguns estudantes também receberam chips com internet disponibilizados pela Secretaria de Educação para acessar os conteúdos online.

Houve também casos de solidariedade entre educador e estudante. “Soube de relatos de professores que doaram seus aparelhos, fora de uso, para determinados alunos”, conta a profissional.

Como está para as mães?

Não foram só os professores e alunos que enfrentaram preocupações com a volta ao ambiente escolar, os pais desses estudantes também. Com o retorno, “as famílias tinham preocupações principalmente sobre como seria o período na sala, se os espaços estavam adequados”, relata Juciele. O caminho foi explicar às famílias as adaptações e cuidados adotados.

Depois do período de suspensão de aulas por casos de coronavírus que a escola de Juciele passou, o receio dos pais se mostrou mais uma vez. “Claro que não existe 100% de segurança em nenhum contexto”, diz ela, e acrescenta: “mas a escola se esmerou em tentar seguir estritamente cada um dos protocolos de forma muito cuidadosa, os profissionais se empenharam muito”.

Em outro ponto, o retorno também significou algo positivo aos pais, como para aqueles que trabalham fora de casa. “Com os alunos na escola, basicamente podem retornar a vida quase de antes” fala Joice. E como mãe, a diretora Juciele não deixou de pensar nas mães dos alunos da sua escola:

“Eu tenho uma bebê de dois anos, eu não tenho família próxima, e o tempo todo eu fazia essa comparação: ‘Nossa, como será que está para as outras mães? Como será que essas mães estão conseguindo se virar?’. Então, por isso a nossa preocupação de tentar manter a escola o mais pronta possível para receber as famílias”.

*O nome foi modificado para preservar a identidade da entrevistada


Reportagem publicada originalmente no Expresso na perifa – Estadão

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