Mulheres negras abraçadas

Mulheres negras na política representam possibilidade de futuro

Especialistas comentam dificuldades de mulheres negras se elegerem e permanecerem em cargos políticos e como, apesar disso, têm apresentado propostas significativas para o país.

Por Beatriz de Oliveira

27|09|2022

Alterado em 29|09|2022

Um homem branco, velho e de terno. É essa a imagem que costuma nos vir à cabeça quando ouvimos a palavra política. Não é por acaso. A estrutura política foi criada por e para um pequeno grupo. Partindo disso, o Nós, mulheres da periferia conversou com especialistas na área para entender como mulheres negras têm enfrentado essa lógica racista que forma as estruturas brasileiras para conquistar espaços de poder e propor mudanças na sociedade.

Segundo levantamento do Instituto Ipsos, de 2017, 94% dos eleitores não se sentem representados pelos candidatos nos quais votaram. Outro dado pode indicar um caminho para essa falta de identificação com os políticos: apenas 2% dos senadores e deputados que formam o Congresso Nacional são mulheres negras, enquanto elas representam 28% da população brasileira.

“Esse percentual [de mulheres negras no Congresso Nacional] é o reflexo de uma sociedade que com base no racismo, no sexismo e nas práticas misóginas, distribui poderes e violências a partir do lugar que se ocupa nela. E essa distribuição é fruto de uma história racista, baseada em práticas coloniais e escravocratas, mas que ainda hoje encontra força”, pontua Roberta Eugênio, mestre em Direito e codiretora do Instituto Alziras, organização que trabalha para ampliar a presença de mulheres na política.

“Se esse quadro revela uma desigualdade histórica e estrutural, ele também expõe um pacto de manutenção dessas práticas no Brasil. E é esse pacto que a gente quer romper”, afirma a advogada, que durante o mestrado estudou a violência política contra as prefeitas negras no país.

Entre as iniciativas do movimento negro que somam esforços para romper com esse pacto, está o Quilombo nos Parlamentos, da Coalizão Negra por Direitos, a qual apoia 120 candidaturas comprometidas com a luta antirracista. Durante evento de apresentação da campanha para influenciadores digitais, realizado no dia 13 de setembro, o professor e presidente do Instituto Brasileiro da Diversidade Hélio Santos destacou que se as mulheres negras ocuparem ao menos 10% das cadeiras no Congresso Nacional a partir das eleições de 2022 será um fato revolucionário.

“Quem luta contra o racismo está consolidando um desenvolvimento com sustentabilidade”, afirmou o professor.

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Evento de apresentação da iniciativa Quilombo nos Parlamentos contou com presença de Sueli Carneiro e Cida Bento.

©Beatriz de Oliveira

O primeiro turno das eleições deste ano acontecem em 02 de outubro, dia em que os brasileiros vão às urnas para escolher presidente da República, governador, senador, deputado federal e deputado estadual.

Pela primeira vez, desde 2014 quando a declaração de raça dos políticos teve início, o número de candidatos negros superou o de brancos. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 49,7% dos concorrentes ao pleito de 2022 se autodeclararam negros. No entanto, reportagem do site Jota, revelou que entre os 241 deputados estaduais e distritais que disputam a reeleição e se declaram como pardos, 30% haviam se declarado como brancos em 2018.

O pacto silencioso dos homens brancos

No mesmo evento de apresentação da iniciativa Quilombo nos Parlamentos, citada anteriormente, a psicóloga e ativista Cida Bento pontuou que as estruturas políticas foram criadas para serem lideradas por homens brancos, os quais agem a partir de um pacto silencioso para se manter no poder. “Como entrar na estrutura de uma maneira diferente da que está lá?” questionou a autora de O pacto da branquitude.

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Roberta Eugênio é mestre em Direito e co-diretora do Instituto Alziras

Para Roberta Eugênio, a trajetória de homens brancos conduzindo a política revela a necessidade de diversificar as pessoas responsáveis por criar e propor leis no país. “É um poder de poucos para poucos, e que, inclusive, não corresponde aos princípios constitucionais que hoje vigem essa nação”, afirma.

Na tentativa de destruir esse pacto, mulheres negras enfrentam um combo de empecilhos. Conforme afirma a advogada, as dificuldades socioeconômicas históricas estão nos campos institucional, simbólico e material:

  • Mulheres negras têm menos tempo para se dedicar à vida política e a campanhas, por serem mais sobrecarregadas, tendo que lidar, por exemplo, com o cuidado da família e da comunidade;
  • Mulheres negras têm menos recursos para destinar à política institucional, porque formam o campo mais empobrecido da sociedade brasileira;
  • Esse grupo, por vezes, nem sequer é respeitado, sendo tratadas como se não fossem capazes de exercer cargos políticos.

A especialista aponta ainda para o fato de não existir nenhuma política pública de incentivo específica para candidaturas de mulheres negras, apesar de existirem iniciativas para candidatos negros e candidatas mulheres em geral.

Mulheres negras em cargos políticos são alvos de violência

Anielle Franco, educadora e diretora do Instituto Marielle Franco também estava presente no ato do Quilombo nos Parlamentos e alertou para a necessidade de cuidar das mulheres negras eleitas para que permaneçam nos seus cargos em segurança. Emocionada, ela lembrou do assassinato da irmã Marielle Franco, caso marcante de violência política. Ainda com lágrimas nos olhos, afirmou saber que a irmã “iria longe” na política.

A pesquisa Violência Política de Gênero e Raça no Brasil (2021) do Instituto Marielle Franco acompanhou mulheres negras eleitas a partir do pleito de 2020, e concluiu que apesar de mulheres negras vindas de movimentos sociais conquistaram certa proteção com a visibilidade de cargos políticos, não estão blindadas da violência. “A violência destinada a esses corpos, e, principalmente, às lutas que eles representam, não cessam. Ao contrário, a violência se sofistica e se irradia para aqueles que estão próximos, sendo os ataques direcionados também às equipes dos mandatos ou mesmo aos familiares dessas parlamentares”, diz um trecho do relatório.

Na análise de Roberta Eugênio, mais do que uma reação ao acesso das mulheres negras ao poder, a violência política organiza esses espaços, a partir de dinâmicas próprias e perversas.

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Mariane dos Santos é integrante do movimento Mulheres Negras Decidem e mestranda na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

©reprodução LinkedIn

Além da violência política há vários outros fatores que dificultam o exercício do mandato de mulheres negras. A advogada com foco em direito público Mariane dos Santos indica um deles: o fato das mulheres exercerem várias jornadas de trabalho, além de se preocupar com o mandato, tem demandas com a casa e a maternidade, por exemplo.

Mariane,  integrante do movimento Mulheres Negras Decidem e mestranda na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) estudando mandatos coletivos, aponta também a hostilidade e falta de empatia para com essas mulheres nos espaços políticos. Como exemplo, aponta o caso da Áurea Carolina, mulher negra mais votada para o cargo de deputada federal em Minas Gerais que decidiu não concorrer às eleições de 2022 para cuidar de sua saúde mental.

Como será um país com mais mulheres negras na política?

Passadas todas as barreiras para conseguir se eleger em cargos políticos, somados aos desafios cotidianos de se manter nesse meio, parlamentares negras têm apresentado projetos significativos para o país. Roberta Eugênio explica que de modo geral as propostas se destacam por buscarem impactos sobre problemas históricos e contemporâneos. Para a advogada existe ainda uma questão simbólica: a diversidade nos espaços de poder, a qual traz uma nova forma de olhar e fazer política.

As experiências de vida dessas mulheres negras são ponto crucial para a elaboração de seus projetos, conforme aponta Mariane dos Santos. Afinal, parte desse grupo morou em periferias e vivenciou problemas sociais no cotidiano. “A atuação é bastante inclinada para propostas que envolvem direito das mulheres, combate à violência doméstica, combate ao racismo, saúde pública, educação básica e proteção aos povos tradicionais”, diz.

Sementes de Marielle Franco, – houve um movimento de mulheres negras se candidatando após o seu assassinato – Mariane entende que a tendência é que elas cada vez mais sejam eleitas. Isso nos permite pensar: como será viver num país com maior quantidade de mulheres negras na política?

A advogada tem a sua resposta. “Pensar em mais mulheres negras ocupando a política institucional é pensar esperança, é pensar possibilidade, é ansiar por um futuro melhor. Quando a gente tem a base da pirâmide social com os seus direitos assegurados, a gente pode ter certeza, todo o restante que vem por cima já teve seus direitos atendidos”.

Roberta Eugênio também anseia por um futuro com mais mulheres negras no poder. “Um país que não acolhe as suas maiorias, não apenas em termos de representação política, mas também de necessidades para o desenvolvimento de uma vida digna, é um país fadado ao fracasso. Então, mais mulheres negras na política significa um futuro possível para o Brasil num caminho democrático”.