Público assiste lançamento do Quilombo nos Parlamentos

Iniciativa lança 100 candidaturas negras para as eleições 2022

Com a campanha Quilombo nos Parlamentos, a Coalizão Negra por Direitos quer incluir pautas do movimento negro na agenda politica nacional.

Por Beatriz de Oliveira

08|06|2022

Alterado em 09|06|2022

Nos espaços da ocupação Nove de Julho, no centro de São Paulo, mulheres e homens negros de variadas idades se reuniram na noite de 6 de junho para assistir ao lançamento de pré-candidaturas negras para as eleições de 2022. Tratava-se da iniciativa “Quilombo nos Parlamentos”, da Coalizão Negra por Direitos, com apoio a mais de 100 pessoas negras comprometidas com a luta antirracista na política.

O objetivo da Coalizão Negra por Direitos é incluir pautas do movimento negro na agenda politica nacional. Entre as 101 pré-candidaturas apoiadas, 67 são para o cargo de deputado estadual, 31 para deputado federal, 2 para deputado distrital e 1 para senador federal.

Estavam presentes nomes importantes na história do movimento negro, como Sueli Carneiro, Nilma Bentes, Cida Bento e Milton Barbosa. Para a filósofa Sueli Carneiro, a noite ficará marcada: “Nós vivenciamos um fato inédito e histórico: o lançamento de um conjunto de candidaturas negras de dimensões nacionais, que tem a potencialidade de pela primeira vez eleger uma bancada negra significativa construída pela nossa ação política coletiva”, disse.

Mulheres negras reivindicam espaço na política

As pré-candidaturas estão espalhadas por 18 estados e são dos seguintes partidos: PT, PSOL, PCdoB, PSB, PDT e Rede. Entre os presentes no lançamento, a maioria era de mulheres negras. Algumas delas destacaram a importância de estarem em espaços de poder para construir políticas públicas caras à população periférica, a partir de suas vivências.

Ana Cleia Kika, presidenta do PT em Porto Nacional (TO), lembrou da política de cotas, que completa 10 anos em 2022. “Eu sou fruto de política de cotas. As pessoas sempre cobraram que a gente não tinha títulos para ocupar os espaços. Mas a gente tem título, tem resistência, tem ancestralidade. Não estou aqui hoje por mim, mas por todas aquelas que vieram antes de mim e que não puderam estar aqui para poder falar”.

O racismo ambiental foi tema da fala de algumas presentes, é o caso de Dani Portela, pré-candidata a deputada estadual por Pernambuco, que lembrou das chuvas em Recife, que registram mais de 100 mortes. “Pernambuco está chorando, é um cenário de guerra. Pessoas que perderam tudo, inclusive a vida. A gente precisa ter a caneta na mão, não só a que cria as leis no parlamento, mas a caneta do Executivo”.

“Eu quero que esse Quilombo nos Parlamentos chegue ao Congresso Nacional e que o Brasil seja governado por uma mulher, mãe, preta”, afirmou.

Nas palavras potentes das mulheres negras que subiram ao palco montado na quadra da ocupação, outro assunto foi a segurança pública e a violência policial contra jovens negros e periféricos. “Vejo nas mães, o mesmo sentimento que eu sempre tive, de não ter perspectiva de colocar o filho na faculdade, de pensar que enquanto o meu filho não chegava em casa eu tinha medo dele estar morto”, relatou Carmen Silva, candidata a deputada estadual em São Paulo.

Para Iza Lourença, pré-candidata a deputada federal em Minas Gerais, a resolução dessa questão passa pela ação de mulheres negras. “O voto em mulheres negras é fundamental para a gente construir políticas de proteção nesse país. Durante a pandemia, quem fez política de proteção nas comunidades foram as mulheres negras. Portanto, elas precisam estar nos espaços de decisão”.

A psicóloga e ativista Cida Bento concorda. “O que a gente viu [no lançamento do Quilombo nos Parlamentos] é algo pelo qual muitas de nós trabalhou e sonhou, e aconteceu aqui, organizado pela Coalizão Negra por Direitos.

A gente vai sim eleger a maior bancada negra desse país, especialmente de mulheres trans e cis”, disse a autora do livro O Pacto da Branquitude.

 

 

 

 

 

Marielle Franco é semente

Nas eleições de 2018, 124 parlamentares se declararam negros. São minoria dentro dos 513 que compõem os cargos no Congresso Nacional. O cenário não reflete a realidade dos cidadãos: segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 54% da população do país é negra.

Lideranças do movimento negro presentes no evento apontam a necessidade de mudar esses números da política, e vêem o Quilombo nos Parlamentos como um passo importante nessa luta.

Marielle Franco, vereadora assassinada em 14 de março de 2018, foi citada por mulheres como uma inspiração para entrarem na política partidária. “O Estado insiste em interromper as nossas famílias com um tiro na nuca, mas a gente segue: não vão nos silenciar. Tentaram silenciar Marielle, e nós multiplicamos”, declarou Andréia de Jesus, pré-candidata a deputada estadual em Minas Gerais.

Diretora do Instituto Marielle Franco e irmã dessa figura, Anielle Franco, falou sobre a importância do autocuidado de mulheres negras, que normalmente são responsáveis pelo cuidados da família e lançou a pergunta: “Quem cuida de quem cuida?”

“Naquele dia 14, a Mari [Marielle Franco] me mandou uma mensagem falando para não esquecer da nossa força. Ao mesmo tempo que eu estou à frente do Instituto Marielle Franco incentivando diversas candidaturas, me dá um nó na garganta de saber e ter visto a minha irmã ainda com a cabeça aberta naquele dia”, disse emocionada.

Lançamento da iniciativa Quilombo nos Parlamentos ocorreu na Ocupação Nove de Julho[/caption]

©Beatriz de Oliveira

Milhões de Zumbis dos Palmares

Próximo das 20h, o telão do evento com o logo da iniciativa Quilombo nos Parlamentos, deu lugar a imagem ao vivo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que vai disputar o pleito neste ano. A princípio, ele iria para a ocasião de forma presencial, mas testou positivo para Covid-19.

“É a primeira vez que eu me deparo com um encontro extraordinário como esse, onde o movimento negro brasileiro toma a decisão de lançar candidaturas pelos mais diferentes partidos políticos para tentar estabelecer dentro do congresso nacional um verdadeiro quilombo”, afirmou no início do discurso que durou cerca de 10 minutos.

“Se um dia mataram Zumbi [dos Palmares], hoje é importante eles aprenderem a conviver com milhões de Zumbis que estão sendo criados neste país”, afirmou seguido por aplausos.

A noite também foi marcada por cortejo do bloco afro Ilú Obá de Min e por roda de jongo. A chef Ieda de Matos garantiu a alimentação dos participantes no evento que durou mais de seis horas.