Saúde Mental, depressão, mulheres, burnout

A saúde mental das mulheres também é uma responsabilidade das empresas

Psiquiatra Cristina Saavedra lista possíveis medidas para empresas cuidarem da saúde mental de suas funcionárias.

Por Mariana Oliveira

21|09|2022

Alterado em 21|09|2022

De acordo com o último relatório sobre saúde mental da Organização Mundial da Saúde (OMS), publicado este ano, mostra que em 2019, quase um bilhão de pessoas viviam com um transtorno mental. Diagnósticos comuns como depressão e ansiedade aumentaram mais de 25% no primeiro ano da pandemia.

O artigo também evidencia que fatores como gênero, raça, discriminação e pessoas vivendo em vulnerabilidade social e econômica têm maior risco de desenvolverem problemas de saúde mental. Além disso, uma em cada cinco mulheres pode desenvolver um episódio de depressão ou ansiedade durante a gravidez ou no pós-parto.

A ISMA-BR (International Stress Management Association no Brasil), publicou em 2019 uma pesquisa mostrando que 32% da população brasileira sofria com sintomas de burnout, esgotamento relacionado ao estresse causado pelo excesso de trabalho.

Para compreender quais medidas empresas podem tomar para construir ambientes menos tóxicos e que favoreçam a saúde de suas funcionárias, conversamos com a psiquiatra Cristina Saavedra, que há mais de 15 anos desenvolve em sua clínica trabalhos focados em transtornos de humor, como depressão e ansiedade.

Nós, mulheres da periferia: O burnout é caracterizado apenas para se referenciar à exaustão no trabalho, ou podemos relacionar a outras áreas também?

Cristina Saavedra: O burnout é um esgotamento físico-emocional referente ao trabalho. Inclusive, quem faz o diagnóstico não é a saúde mental, mas a saúde ocupacional. O médico do trabalho avalia as condições que aquele paciente alega.

Nós: De acordo com a Associação Americana de Ansiedade e Depressão (ADAA), as mulheres são duas vezes mais propensas a desenvolver transtornos de ansiedade. Qual o impacto desse diagnóstico na vida e carreira das mulheres, principalmente mulheres negras e mães solo?

Cristina Saavedra: As mulheres são mais propensas a terem transtornos de humor, o que inclui transtornos de ansiedade, tanto por características biológicas e hormonais, como por condições socioculturais ou alguma outra maneira de opressão que acaba sobrecarregando a mulher, levando ao esgotamento mental, mais frequente do que entre os homens.

Em aspecto genético, a mulher tem maior tendência a esse desenvolvimento em alguns momentos da vida, como na gravidez, menopausa, alterações no ciclo hormonal que acabam levando a TPM. No espaço sócio cultural, imagina ter que trabalhar e cuidar sozinha de um filho?. Já, as mulheres negras, podem ter uma maior vulnerabilidade devido ao racismo.

Nós: Muitas mulheres não procuram especialistas por medo do diagnóstico e do chefe. Qual é o melhor caminho?

Cristina Saavedra: Todo transtorno mental é multifatorial, somado a predisposição genética, o fator ambiental, socioeconômico e cultural. Uma mulher deprimida e ansiosa que trabalha em uma empresa com alta carga de trabalho e um ambiente tóxico, pode ter uma predisposição maior para receber esses diagnósticos. Em algumas empresas ou ocupações o adoecimento é desencadeado com maior frequência, como áreas da saúde, educação ou telemarketing.

Uma pessoa com transtorno de ansiedade ou depressão vai ter uma dificuldade maior para execução de tarefas, porque há perda da cognição, comprometimento coletivo e desânimo. Lembrando que transtornos de humor, especialmente a depressão, é uma causa importante de incapacitação do trabalho.

Nós: O termo “psiquiatra” é um tabu? Por que temos dificuldade em buscar ajuda com esses especialistas?

Cristina Saavedra:

Ir ao psiquiatra é visto quase como um fracasso. As pessoas ainda não conseguem ver o transtorno mental como uma doença, por apresentar sintomas subjetivos que afetam funções tidas como simples.

Por exemplo, uma pessoa deprimida se questiona como não consegue levantar da cama e escovar os dentes. Não é por preguiça que ela não consegue, mas por doença ocasionada por alguma disfunção cerebral. Não se trata de mentalizar o “eu vou conseguir”, porque ela precisa de tratamento, comprometimento, e às vezes medicação.

Nós: Que outro medo pode ser causa para o afastamento da busca por tratamentos?

Cristina Saavedra: Uma das primeiras coisas que escuto quando o paciente chega é “não quero tomar medicação”, mas às vezes é necessária. Se tenho pressão alta, para conseguir tocar minha vida e não ter um infarto, vou ao médico e tomo os medicamentos recomendados. Ter um tratamento com medicamentos é uma das ferramentas terapêuticas.

Nós: Pensando na realidade de mulheres que não tem tempo para se tratar da forma correta após receber o diagnóstico, quais medidas elas podem tomar?

Cristina Saavedra: Depois de receber o diagnóstico, você tem que buscar o tratamento, que podem ser ferramentas terapêuticas ou tratamento medicamentoso. O tratamento varia entre os pacientes. Considerando que as mulheres têm uma jornada muito pesada e tem que trabalhar, é possível fazer o mínimo dentro de cada realidade. Por exemplo, um paciente sedentário pode fazer uma caminhada de dez minutos três vezes na semana e já faz diferença.

Nós: Existem sintomas que podem nos confundir ao buscar um profissional adequado?

Cristina Saavedra: Os pacientes buscam primeiro outras especialidades por sintomas mais palpáveis, como dor de estômago, refluxo. Alguns pacientes têm lesões na pele, diarreia, dor de cabeça. Tudo isso faz com que procurem outras especialidades e só depois vão à psiquiatria.

Nós: Existem sintomas mais comuns ao falar de transtorno mental?

Cristina Saavedra: Sim, vários.

O choro fácil por mais de duas semanas, se sentir deprimido sem um motivo aparente, falta de prazer em atividades, dificuldade para dormir ou dormir muito. Diminuição ou aumento do apetite. Enfim, a depressão e ansiedade influenciam nesses círculos.

Dessa forma, o psiquiatra vai avaliar e identificar os exames que pode pedir para pensar no transtorno mental.

Nós: Quais medidas as empresas podem tomar após o diagnóstico de sua funcionária?

Cristina Saavedra: O funcionário não tem obrigação de dizer o seu diagnóstico para o empregador. Normalmente, o comunicado não acontece por medo de preconceitos e, futuramente, culmina em uma demissão. O que vejo é que existem empregadores que propiciam ambientes maiores de escuta e assim as funcionárias se sentem à vontade em dizer pelo que estão passando.

Nós: Quais medidas a empresa deve tomar para ter um ambiente de trabalho mais propício e menos adoecedor?

Cristina Saavedra:

Eles poderiam fazer o básico, como não acionar os trabalhadores fora do horário de trabalho, respeitar o horário de entrada, saída e de intervalos previstos por lei. Não encher a caixa de e-mail ou WhatsApp dos funcionários. Na pandemia, com o home office, temos jornadas de doze horas, várias reuniões. Se nota que quanto mais a empresa cresce, mais as pessoas adoecem.

Vemos empresas, que no “Setembro Amarelo” fazem reuniões, convidam palestrantes, falam sobre suicídio, oferecem aulas de yoga e relaxamento e, depois desse momento, voltam para o meio tóxico da empresa, de sobrecarga, e exigencia de desempenho fruto desse sistema que vivemos.

Nós: Quais impactos uma cultura de prevenção pode ter no ambiente de trabalho e saúde das mulheres?

Cristina Saavedra: No Brasil se pensa pouco na saúde, mas especificamente na saúde mental não existe. Pensar em prevenção é ter impacto positivo para todo mundo. Seria perfeito refletir a importância de ter um horário de almoço em que eu possa me alimentar corretamente e com calma, ter um descanso quando chegar em casa. Pensar corretamente na licença maternidade para a mulher não ter receio de ser desligada findando o prazo. O impacto dessas iniciativas seria extremamente positivo para empresa e para a mulher.


Este conteúdo foi produzido em parceria com o Instituto Sulamerica como parte da campanha #BemAmarelo

O Instituto SulAmérica lança em 12 de setembro o movimento #BemAmarelo, uma mobilização social pelo cuidado da saúde emocional como forma de prevenção ao suicídio – não apenas no Setembro Amarelo, mas em todos os meses do ano. Reforçando a mensagem de que saúde emocional importa e é um direito de todas as pessoas, a campanha oferecerá para quem mais precisa o acesso gratuito por seis meses a teleconsultas psicológicas e conteúdos educativos.

Visite o site oficial da campanha aqui.