Foto mostra Francia, uma mulher negra, segurando uma bandeira com o rosto de Marielle Franco

Francia Márquez: resistência e esperança para a América Latina

No último domingo (19), a Colômbia elegeu sua primeira vice-presidente negra. Especialistas analisam o que essa vitória representa para os países vizinhos e para o ativismo ambiental

Por Amanda Stabile

23|06|2022

Alterado em 23|06|2022

Se ter mulheres em cargos de chefia de Estado já é algo inédito para diversos países, ter uma mulher negra, ex-trabalhadora doméstica e ativista é uma vitória histórica. Foi o que aconteceu na Colômbia: no último domingo (19), Francia Márquez foi eleita a primeira vice-presidente negra do país, ao lado de Gustavo Petro, que será o primeiro presidente de esquerda a governar.

Em seu primeiro discurso após o triunfo, ela agradeceu aos eleitores por terem plantado a semente da resistência e da esperança:

“Depois de 200 anos, conquistamos um governo do povo. O governo dos e das ‘ninguéns’ da Colômbia. Vamos com dignidade viver de maneira saborosa”, celebrou.

Nascida em dezembro de 1981, na pequena cidade colombiana de Suárez, Francia Elena Márquez Mina foi mãe solo ainda na adolescência, aos 16 anos. Aos 21, teve seu segundo bebê. Mas isso não a impediu de seguir com seus estudos: se formou em técnica agropecuária e ingressou na faculdade de direito da Universidade Santiago de Cali – paga com seu salário de trabalhadora doméstica.

Sua militância também começou cedo: com 17 anos, em 1997, já integrava a Organização de Processos Comunidades Negras da Colômbia; em 2009, escreveu uma ação de tutela contra as atividades de multinacionais no rio Ovejas, que afetaria sua comunidade, La Toma. No ano seguinte, Francia foi presidente da Associação de Mulheres Afrodescentes de Yolombó, cargo que ocupou até 2013.

Todo esse histórico rendeu frutos. Em 2015, a advogada recebeu o Prêmio Nacional de Direitos Humanos de seu país. E, em 2018, foi indicada para o Prêmio Goldman, o equivalente do prêmio Nobel da Paz para questões ambientais, devido à luta contra a mineração ilegal. 

Amanda Costa, ativista climática e fundadora do Perifa Sustentável, analisa que a chegada de Francia Márquez à vice-presidência da Colômbia representa um avanço nas pautas feministas e antirracistas não só no próprio país, mas no mundo. Para ela, essa vitória também mostra que a luta ambiental é uma luta intersetorial e que falar de clima não é uma pauta branca.

“Ter uma mulher preta, mãe solo de duas crianças sendo reconhecida mundialmente, abre um espaço para que outras mulheres pretas também alcancem esses lugares. Mostra que também têm propriedade e domínio para defender suas pautas e capacidade para estar nesses espaços”, pontua Amanda.

Para Tainah Pereira, Coordenadora Política do movimento Mulheres Negras Decidem, a eleição de Francia é um sopro de esperança também para nós no Brasil. “Ela vai direcionar essa nova política colombiana no sentido do avanço, da garantia de direitos, principalmente aqueles ligados à justiça socioambiental. É uma vitória grande dos setores progressistas no contexto da América Latina, em especial para o movimento de mulheres e mulheres negras”, aponta.

Além de todos esses feitos, é importante relembrar que Francia também participou das discussões dos Acordos de Paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC-EP), que integrava um dos conflitos mais antigos da América Latina. Desde 1964, guerrilheiros conservadores e socialistas disputavam o poder no país. 

Por isso, o acordo de paz, assinado em 2016, foi um forte símbolo de esperança no processo de democratização da Colômbia. E a advogada integrou a Comissão Étnica para a paz e foi presidente do Comitê Nacional de Paz e Reconciliação do Conselho Nacional de Paz. “A Colômbia passou por anos de conflito armado e hoje tem, na Francia, uma das principais figuras que rechaçam esse modelo, que lutam pelo desarmamento e pela garantia da paz”, analisa Tainah.