Mano Brown, KL Jay, Ice Blue e Edi Rock juntos em torno de uma mesa

Documentário Racionais Mc’s: conheça a diretora responsável pela obra

A cineasta Juliana Vicente conta que Mano Brown chorou ao ver o teaser do documentário e explica como incluiu a importância das mulheres em uma obra sobre quatro homens periféricos.

Por Beatriz de Oliveira

11|11|2022

Alterado em 11|11|2022

Na próxima quarta-feira (16) ocorre a estreia na Netflix do documentário ‘Racionais: Das Ruas de São Paulo pro Mundo’, que conta como Mano Brown, KL Jay, Ice Blue e Edi Rock se encontraram, formaram os Racionais MC’s e fizeram história por meio do rap. O filme de quase duas horas tem cenas inéditas da carreira de mais de 30 anos do grupo, além de entrevistas exclusivas. A responsável pela direção e roteiro da obra é Juliana Vicente, cineasta e fundadora da produtora Preta Portê Filmes.

Com obras audiovisuais que evidenciam as temáticas preta, indígena e LGBTQIAP+, Juliana coleciona uma série de prêmios ao longo da carreira. Sua produtora tem um portfólio de mais de 40 filmes, exibidos em diferentes países. Em entrevista ao Nós, mulheres da periferia, ela conta que decidiu entrar na área de cinema pela “ideia de poder falar com muita gente e deixar alguma coisa”.

Além de ‘Racionais: Das Ruas de São Paulo pro Mundo’, a diretora também lançou esse ano “Diálogos com Ruth de Souza”, documentário sobre a atriz negra que marcou a dramaturgia brasileira.

A aproximação com os Racionais MC’s veio através do trabalho como diretora do clipe ‘Mil Faces de um Homem Leal – Marighella’, lançado em 2012 e vencedor do clipe do ano no MTV Video Music Brasil. O primeiro contato da cineasta foi com Mano Brown. “Tive a sensação de estar conhecendo alguém familiar”, lembra. Na produção do clipe, Juliana foi diz que foi “dura” com os quatro rappers para conseguir avançar nas gravações e que com o tempo criaram uma relação de parceria e respeito mútuo.

Antes do contato profissional com os rappers, a cineasta não costumava ouvir suas músicas. Na década de 90, quando o grupo estourou, ela morava em Vinhedo, interior de São Paulo, e curtia pagode e reggae. “Quem ouvia Racionais eram meus irmãos, jogadores de basquete. Era uma música mais deles do que minha”. A situação mudou totalmente e as letras dos quatro homens periféricos passaram a ser “trilha sonora” da sua vida pessoal e profissional.

Clara e salgada: até Mano Brown chorou

Sete anos é o tempo que separa o início da ideia de construir um documentário dos Racionais MC’s da finalização do filme. “Fiquei sete anos obcecada, construindo esse roteiro, fazendo mil ligações e somando com uma série de outras experiências que me atravessaram nesse tempo”.

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Juliana Vicente é cineasta e fundadora da produtora Preta Portê Filmes.

©Divulgação

As primeiras entrevistas foram feitas em 2015, quando ainda não havia a decisão de fato sobre a realização de um documentário. Juliana soube que estava no caminho certo quando mostrou o primeiro teaser para Mano Brown e ele se emocionou. “Aquilo deu a certeza que [o documentário] iria acontecer”.

Nos anos finais da produção do longa-metragem Juliana tornou-se mãe de Amora. “Eu montei o filme com ela na minha barriga e finalizei com ela no meu colo”. A menina gosta das músicas do grupo de rap. “Quando toca Negro Drama ela dorme, é uma música de conforto pra ela”, diz a mãe aos risos.

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Entrevistas com mulheres importantes para a carreira dos Racionais e o enfoque da presença das mães dos rappers em suas trajetórias são exemplos de como Juliana Vicente inseriu a questão de gênero em um documentário de quatro homens negros. O filme conta que Dona Ana, mãe de Mano Brown, por exemplo, esteve presente em muitos shows do grupo. A atenção da cineasta a essa questão vem a partir de seu lugar como mulher negra. Juliana reflete que talvez um diretor homem não fizesse questão de citar as mães dos rappers.

“Por mais que a gente entenda que esse ambiente [do rap] é extremamente masculino, a importância das mulheres precisava estar presente no filme”, afirma.

Em projetos anteriores a cineasta se voltou para a presença das mulheres no hip hop. É o caso do curta-metragem “As Minas do Rap” (2015), em que entrevistou nomes como Negrali, DJ Vivian Marques e Karol Conká para abordar as vivências e desafios vividos por mulheres no meio do gênero musical. Há também a série documental “Afronta”, que evidencia a potência da juventude negra brasileira, e tem episódios com as gêmeas Tasha e Tracie e a Tássia Reis.

A temática racial faz parte do trabalho de Juliana desde seu primeiro curta. “Cores e Botas” (2010), narra a saga de uma menina negra da década de 1980 que sonha em ser paquita e sofre os atravessamentos do racismo. Passada mais de uma década de seu lançamento, a obra continua reverberando e provocando discussões atuais. “Eu conheci muita gente preta por causa do Cores de Botas, foi importante para minha vida e minha carreira”, afirma.

Juliana Vicente conta que está na expectativa para saber a reação do público ao assistir o documentário “Racionais: Das Ruas de São Paulo pro Mundo” que estreia na próxima semana. “Espero que as pessoas sejam atravessadas pelo filme como elas são pela música, mas talvez seja até pretensioso, é uma expectativa alta” diz aos risos. Se a última obra da diretora seguir caminho semelhante ao da primeira, vai reverberar por um bom tempo.