Foto mostra mãe negra abraçando criança

Como acolher crianças negras vítimas de racismo?

Conversamos com Luana Tolentino, especialista em educação, e com Michelli Oliveira, professora e mãe de três, sobre como conversar com os pequenos e fortalecê-los frente às violências.

Por Amanda Stabile

18|08|2022

Alterado em 19|08|2022

Para combater o racismo, é essencial compreender as marcas que essa violência deixa nas pessoas desde o começo da vida. Nas palavras de Luana Tolentino, professora, mestra em educação e autora do livro “Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula’”, o racismo dilacera a autoestima das crianças negras, as possibilidades de construção de identidades positivas, castra sonhos e talentos e rouba perspectivas.

“O racismo deixa traumas e marcas muito profundas nas crianças. O sentimento de menos valia, o sentimento de inferioridade, muitas vezes, as acompanham pela vida toda. Eu falo isso como estudiosa das relações da educação e das relações sociais, e falo isso também como criança negra que eu fui”, aponta.

A lista das consequências do racismo na infância é grande, dentre elas, essa violência coloca as crianças no lugar do silêncio, da solidão e da invisibilidade. Também deixa marcas que as impedem de se desenvolverem plenamente e se tornarem adultos seguros de sua identidade. 

“O racismo tem sido instrumento de um verdadeiro massacre. As crianças negras têm sido massacradas nos espaços de socialização, em grande medida nas escolas, em razão da cor da pele”, aponta a professora.

No último mês, veio a público um ato de racismo contra Titi e Bless, de nove e sete anos, em um restaurante em Portugal. As ofensas racistas proferidas contra os filhos de Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso, não são uma exceção, um caso à parte. Pelo contrário, são a regra. Mas, na nossa sociedade, nem sempre o racismo se manifesta de forma tão explícita. Por isso, é preciso acolher os pequenos e prepará-los para identificar e se fortalecer frente a essas situações.

Combate ao racismo dentro de casa

Quando pequena, a professora Michelli Oliveira, de 33 anos, sofria muito com o racismo, ainda que, naquela época, não chamassem a violência pelo nome. Por causa disso, começou a alisar os cabelos muito cedo. “Quando eu era criança, a minha mãe passou muita dificuldade, ela não tinha condições, às vezes, de comprar creme para o cabelo. Ou ela comprava o creme ou a comida para alimentar os filhos. E eu me recusava a ir para escola, por causa do meu cabelo”, lembra. 

Apesar de serem uma família negra, seus pais não falavam com ela sobre racismo, uma pauta que Michelli, hoje mãe de Isabela, Martin e Odara, trata com os pequenos desde sempre.  “Eu sou a mãe que vai para cima, que briga, que vai questionar e bater de frente. Eu faço isso e eu converso com as crianças. O Martin tem quatro anos, mas se alguém fala do cabelo dele, ele é o primeiro a esculachar a pessoa”, conta. 

Para se fortalecer, enquanto mulher e mãe, frente a essas situações, a professora participa de muitos grupos formados exclusivamente por mães negras. “No Coletivo de Mães Negras, uma vez por mês a gente se reúne, vai para um parque, algum lugar, exatamente para as crianças terem esse convívio umas com as outras, para verem que existem pessoas iguais a eles”, aponta.

Ela também leva os pequenos para participar de atividades culturais que pautam a questão. “Por mais que nós vivenciemos isso, eu sei o que é racismo, meus filhos sabem, mas a gente tem que saber como combater. Não é só chegar e bater boca. Acho que você tem que ter uma base, não diria nem teórica, mas uma base construída através das relações e dos estudos”, conclui Michelle.

Como acolher os pequenos?

Para Luana Tolentino, a melhor forma de acolher uma criança vitimada pelo racismo é por meio do amor e do afeto. Trabalhando o fortalecimento da autoestima e jamais, em hipótese alguma, dizendo que o racismo é uma bobagem ou que é algo que tem que ser “deixado para lá”.

“A criança precisa saber que o racismo é um erro, é um grande equívoco, é uma prática cruel e que aquele que cometeu o ato de racismo precisa ser educado e, se possível, também repreendido com firmeza para que isso não volte a acontecer”, complementa Luana.

Ela pontua que, especialmente nesses momentos, é preciso ressaltar as potencialidades e a beleza das crianças e ensinar que ter ascendência negra não faz delas inferiores a ninguém. Pelo contrário, essas características só reforçam suas qualidades e seus valores. E esse acolhimento não deve vir apenas da família.

A superação do racismo no Brasil é um compromisso que precisa ser assumido por toda a sociedade. Afinal não é só a família que educa. E eu estou falando da educação no sentido mais amplo, no sentido de que é nesses espaços de socialização que a nossa identidade, a nossa formação enquanto indivíduos, é construída”, alerta.

Dessa forma, todas as esferas da sociedade devem reconhecer e lutar contra as consequências trágicas que o racismo provoca na vida de todos, especialmente das crianças. “Nós precisamos cada vez mais ter aliados, pessoas comprometidas no combate ao racismo. Só assim haverá a possibilidade de construirmos uma sociedade mais justa, mais igualitária, em que seja garantido a todas e todos o direito de ser, de existir e viver de maneira plena e com dignidade”, conclui.