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Escola de SP se omite em caso de racismo com menina de 6 anos

Thamires Rosa, mãe de Ticiane, denunciou o caso de racismo em escola e conta que direção se omitiu

Por Beatriz de Oliveira

18|05|2023

Alterado em 19|05|2023

Quando Ticiane chegou da escola, sua mãe, Thamires Rosa, notou uma mancha roxa ao redor dos olhos e perguntou o que havia acontecido. A menina, de seis anos, havia tentado cobrir a mancha com um batom. Respondeu que tinha sido agredida por dois colegas, que também a chamaram de “urubu” e disseram que seu cabelo é feio. Naquele momento, no dia 2 de maio, começou um doloroso episódio da vida de uma mãe negra em defesa de sua filha.

Thamires Rosa, cantora e terapeuta holística, se mudou há pouco menos de dois meses para o Cambuci, no centro de São Paulo (SP) e Ticiane passou a frequentar uma escola do bairro, a Escola Estadual Adelina Issa Ashcare. Nesse ambiente, relatou à mãe ter levado um soco em cada olho, além de apresentar lesão na costela, nos braços e na virilha.

No dia seguinte, Thamires procurou a diretoria da escola para contar o ocorrido e pedir para que identificassem os agressores por meio das câmeras de segurança. Ticiane não sabia dizer quem eram os meninos. “Ela entrou em estado de choque”, diz a mãe. Mais um dia se passou, a mãe procurou a escola e ouviu como resposta que nada havia a ser feito se a sua filha não indicasse os autores da agressão.. A mãe procurou a Diretoria Regional de Ensino e teve a mesma devolutiva.

Em nova conversa com a gestão escolar, a cantora sugeriu que fosse feita uma ação de conscientização na escola para explicar a gravidade de uma agressão e de um ato racista aos alunos. Segundo ela, nada nesse sentido foi realizado. “Eu só queria resolver o problema. Em nenhum momento eu tive amparo deles com a minha filha. O que eu ouvi deles foi ‘se você acha que é grave, leva ela ao médico’”, conta. “Eu queria que minha filha pudesse estar em segurança na escola”, acrescenta.

Na delegacia, mais uma negativa

Diante da falta de ação da direção da escola, Thamires decidiu ir à uma delegacia fazer um boletim de ocorrência (BO). Também levou Ticiane ao Instituto Médico Legal (IML) para ser avaliada e recebeu um atestado médico devido às lesões sofridas. No dia 10 de maio, voltou à delegacia para dar continuidade à denúncia, por meio da representação – manifestação da vítima ou representante legal e favor de instauração de ação penal.

Ali a mãe ouviu mais uma negativa na busca de justiça pela filha. “Disseram que por ter sido duas crianças que agrediram não tinha o que fazer e que não sabiam quem eram os pais das crianças para acionar”, relata.

Mulher negra de cabelo longo

Thamires Rosa, mãe de Ticiane

©arquivo pessoal

Nesse momento, ainda na delegacia, Thamires gravou e publicou em suas redes sociais um vídeo contando pelo que estava passando. “No vídeo, eu estou chorando porque não consegui dar continuidade no boletim de ocorrência. Foi um ato de desespero ao tentar fazer algo pela minha filha e não poder”.

O vídeo repercutiu e a cantora recebeu apoio de várias pessoas, uma delas foi a professora e política Adriana Vasconcelos, que acompanhou Thamires na delegacia e interviu para que a denúncia tivesse continuidade.

Depois disso, a cantora foi chamada pela Diretoria Regional de Ensino para relatar o caso novamente. “Eu mostrei o áudio da Ticiane contando o que aconteceu e eles escreveram um relatório”, diz.

Cerca de 15 dias após a agressão sofrida por Ticiane, a escola não deu respostas sobre a identificação das imagens da câmera de segurança. Com o fim do prazo do atestado médico, a estudante teria que voltar às aulas na segunda-feira (15), mas sua mãe solicitou que ela desse continuidade aos estudos em casa, haja vista que a situação não se resolveu.

Ticiane entende a beleza de sua cor; seus colegas também precisam

Os dias seguintes à agressão têm sido difíceis para mãe e filha. A menina de seis anos começou a chupar o dedo, algo que nunca fez, além de preferir brincar sozinha do que com outras crianças e passar muito tempo na cama.

“É muito complicado estar lidando com toda essa questão. É exaustivo. A criança vê na mãe uma força. Então, eu tenho que me manter forte, mostrar para ela que está tudo bem, tentar naturalmente, entendendo as dores dela e fazendo o máximo possível para trazer uma vida normal para ela”, desabafa a mãe.

Com a repercussão do caso, Thamires passou a receber relatos de outras mães sobre agressões que os filhos sofreram na escola. “Eu não entendo o propósito de tudo isso, do porquê que a Ticiane foi colocada nessa situação. Mas eu percebo que ela está sendo o grito de muitas outras mães e crianças. Eu sou uma mãe preta que foi na escola buscar saber o que aconteceu com a sua filha, e eu saí de lá me sentindo ainda mais mãe preta porque tentaram me silenciar”, afirma.

A mãe defende que a Lei 10.639, que inclui ensino da cultura afro-brasileira nas escolas, seja de fato aplicada para que situações de racismo sejam cada vez menos comuns nesses ambientes e as crianças desenvolvam consciência racial. Apesar de estar vigente há 20 anos, 70% dos municípios do país não aplicam a lei, segundo estudo do Instituto Alana e Geledés Instituto da Mulher Negra.

“A Ticiane ama o cabelo black dela, ela fala que o cabelo dela é resistência. Ticiane pinta os desenhos da escola com lápis marrom. Representatividade. Ela entende isso, mas as crianças que estão em volta dela entendem isso também? Que o povo preto teve sim reis e rainhas”, diz.

Escolas devem ser aliadas na luta contra o racismo

Em entrevista em março de 2023 para o Nós, mulheres da periferia, a educadora Luana Tolentino afirmou que as escolas devem assumir uma postura antirracista, tendo em vista que esse ambiente reproduz os preconceitos expressos na sociedade.

“Não dá mais para a escola ser um espaço em que há esse tipo de ação racista explícita, além de outras formas de racismo, como a negação de matricula a alunos negros, a negação dos alunos negros de conhecerem a sua própria história, o racismo por meio da reprovação escolar e a punição mais severa para estudantes negros. É urgente que a escola assuma o compromisso de contribuir para a superação do racismo”, afirmou.

Entre as práticas antirracistas está justamente o ensino da cultura e história afro-brasileira nas redes de ensino, como previsto na Lei 10.639. De acordo com estudo do Instituto Alana e do Geledés – Instituto da Mulher Negra, a falta de atualização e aplicação de políticas educacionais para étnico-raciais faz parte de um cenário de desmonte conquista de direitos e políticas sociais na luta antirracista.

“Uma política educacional que assume o compromisso antirracista e valoriza as contribuições dos povos africanos e das populações afro-brasileiras para a formação de nosso país colabora para o enfrentamento da evasão escolar, para a formação integral do indivíduo, para o desenvolvimento de uma sociedade menos violenta e mais empática e, principalmente, fortalece a equidade na garantia de direitos para todas as pessoas” diz um trecho do estudo.