Liderança de matriz africana  sofre racismo religioso na zona leste de São Paulo (SP)

A colunista Victória Dandara

15|05|2023

- Alterado em 15|05|2023

Por Redação

Em 16 de março, madrugada de quarta para quinta-feira no bairro Chácara Mafalda, zona leste de São Paulo (SP), o Babalorixá Dhill de Xangô sai para passear com seu cachorro como sempre faz. O animal possui uma deficiência que o impede de andar sozinho, obrigando o líder religioso a carregá-lo no colo. Quando estavam em uma esquina, Babá Dhill começa a ouvir gritos acompanhados de um barulho estrondoso. Alguém havia jogado um objeto em sua direção e continuava a ofendê-lo. “Filho da puta”, “macumbeiro” e “está matando o cachorro” são algumas das expressões que são possíveis de serem compreendidas. O líder de matriz africana logo entendeu do que se tratava: mais um caso de racismo religioso. O vizinho do terreiro, ao ver um homem com um animal no colo em uma encruzilhada vestido todo de branco e com indumentárias características da religião de matriz africana teria feito associação (preconceituosamente) com a imolação de animais, ritual característico do Candomblé.

Não satisfeito, o agressor ainda deixou a varanda de sua residência, de onde proferiu ofensas e arremessou objetos contra o Babalorixá, para confrontá-lo na rua. Com medo do que poderia ocorrer, Baba Dhill pede ao vigia do bairro que o acompanhe de volta até seu terreiro, para que pudesse buscar a ajuda de sua família de axé e chamar a polícia. O caso foi levado à DECRADI – Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, onde foi registrado o Boletim de Ocorrência por injúria qualificada por intolerância religiosa. As demais medidas cabíveis estão sendo tomadas pela advogada do Babalorixá Dhill.

Segundo a liderança de matriz africana, este não é um episódio isolado. “Casos assim sempre acontecem com pessoas que são e frequentam o nosso Axé. Temos tomado cuidado para ir ao mercado, sair na rua, frequentar qualquer lugar e até mesmo solicitar transporte de aplicativos utilizando qualquer insígnia religiosa, devido às ocorrências de preconceito e racismo religioso.” pontua. De fato, registros de racismo religioso ocorrem diariamente no Brasil. Dados do Ministério dos Direitos Humanos apontam um crescimento das ocorrências nos últimos anos. O número de denúncias de intolerância religiosa no Brasil aumentou 106% em apenas um ano, passando de 583, em 2021, para 1,2 mil, em 2022. Entre os estados com maior incidência de ocorridos, o “campeão” foi São Paulo, com 270 denúncias.

No Relatório “Respeite o Meu Terreiro — Mapeamento do Racismo Religioso Contra Os Povos Tradicionais de Religiões de Matriz Africana”, produzido pela Renafro (Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde), que ouviu lideranças de 255 comunidades tradicionais de terreiros, vemos que 78% dos entrevistados relataram que membros de suas comunidades já sofreram algum tipo de violência, física ou verbal, por racismo religioso.

Segundo Baba Dhill, essas situações seguem ocorrendo devido ao desrespeito e intransigência com relação a sua crença e fé. “Não tenho dúvidas de que tudo está ligado ao racismo religioso. Uma religião afrodescendente, com deuses negros africanos, que professa uma fé de resistência à história e busca força ancestral. Um espaço preto de acolhimento, crescimento e fortalecimento enquanto comunidade. É por isso que decidi registrar a ocorrência e seguir em frente.” Ele espera que, com sua denúncia e tomando as medidas judiciais cabíveis para responsabilizar legalmente o agressor, esse caso seja um exemplo e ajude a desencorajar futuras agressões.

“Não estamos sozinhos, juntos somos fortes e não devemos nos calar diante dessa ignorância e violação a nossas casas e nossos corpos!”

Victória Dandara é travesti, cria da zona leste de São Paulo (SP), pesquisadora em direitos humanos, advogada transfeminista e filha de Oyá. Foi uma das primeiras travestis a se graduar em direito na USP e hoje luta não só pela inclusão da população trans e travesti, mas por uma emancipação coletiva a partir da periferia e da favela.

Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.

Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

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