Foto mostra três crianças com as mãos levantadas na escola

Mais de 70% das escolas municipais não têm ações de combate ao racismo

Pesquisa realizada pelo Instituto Alana e o Geledés – Instituto da Mulher Negra investiga avanços e desafios relacionados à implementação da Lei 10.639

Por Amanda Stabile

19|04|2023

Alterado em 26|04|2023

Esse ano, a Lei 10.639, de 2003, completa 20 anos. Ela alterou a legislação máxima da educação brasileira, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), e estabeleceu a inclusão obrigatória da história e cultura afro-brasileira no currículo oficial da rede de ensino.

Após duas décadas, a legislação tem sido aplicada? Quais os avanços e os desafios para a implementação dessa diretriz nas redes municipais de ensino? As Secretarias Municipais de Educação têm criado condições para a efetivação da lei?

Para responder essas e outras questões sobre o tema, o Instituto Alana e o Geledés – Instituto da Mulher Negra, em parceria com o Imaginable Futures, lançaram ontem (18) o estudo “Lei 10.639/03: a atuação das Secretarias Municipais de Educação no ensino de história e cultura africana e afrobrasileira”.

“Uma política educacional que assume o compromisso antirracista e valoriza as contribuições dos povos africanos e das populações afro-brasileiras para a formação de nosso país colabora para o enfrentamento da evasão escolar, para a formação integral do indivíduo, para o desenvolvimento de uma sociedade menos violenta e mais empática e, principalmente, fortalece a equidade na garantia de direitos para todas as pessoas”, apontam os organizadores na apresentação da pesquisa.

A publicação também visa contribuir com a atualização de dados sobre Educação para as Relações Étnico-Raciais, que estão defasados. Busca também produzir insumos que subsidiem o aprimoramento de práticas existentes, fortaleçam estratégias de advocacy – ou seja, a articulação em prol da formulação de políticas públicas – e ampliem a exigibilidade junto às redes que insistem em descumprir a legislação.

O levantamento ainda destaca a importância do Movimento Negro para a conquista desse direito, sua luta pelo acesso e permanência da população negra aos níveis e modalidades da educação e pelo reconhecimento da histórica contribuição epistêmica e cotidiana da população negra na construção e formação da estrutura social do país.

Implementação da lei

A pesquisa qualitativa obteve a resposta de 21% de todos os municípios do país, ou seja, 1.187 Secretarias Municipais de Educação. Dessas, 53% admitiram que não realizam ações consistentes e contínuas para a aplicação da lei; e 18% delas não realizam nenhum tipo de ação.

Além disso, cerca de três a cada quatro secretarias afirmaram não ter equipe ou profissionais específicos responsáveis pelo ensino de História e cultura africana e afro-brasileira dentro das secretarias. E apenas 8% delas disseram ter dotação orçamentária específica para a implementação da legislação.

Formações sobre o tema

O documento também aponta que 57% das Secretarias Municipais de Educação e escolas da rede ouvidas oferecem formação sobre o tema aos profissionais de educação. A maioria é voltada para os professores (57%) e para a gestão escolar (50%).

Apesar disso, quase 70% dessas ações são pontuais e estão concentradas em novembro, mês em que se celebra o Dia da Consciência Negra.

Já em relação às famílias, a realização de oficinas de formação e eventos sobre questões étnico-raciais pelas escolas é pouco comum: 63% das secretarias afirmam que essas atividades não ocorrem em nenhuma ou só em algumas escolas.

Outro dado preocupante trazido é que só 35% das secretarias acompanham os indicadores de desempenho e as desigualdades educacionais considerando a raça dos estudantes.

Suporte de governos e instituições

A pesquisa também revela a centralidade do suporte dos estados e do Governo Federal para o cumprimento da lei. Os gestores municipais sentem falta desse apoio, tanto em ações diretas, como por meio de cooperação técnica e financeira para que as ações em relação ao tema sejam consideradas além de datas comemorativas.

Além disso, 44% das secretarias afirmaram que o Conselho Municipal de Educação é convidado para colaborar nas discussões sobre a lei, mas apenas em 25% dos casos o conselho contribuiu com a criação de algum parecer ou resolução acerca do tema.

A despeito disso, o estudo aponta que é fundamental que as Secretarias de Educação se mantenham responsáveis em zelar pela implementação da legislação, ainda que não sejam encontrados parceiros para isso.

Conclusões e desafios

Dentre as principais constatações da pesquisa está que a falta de apoio é o principal desafio para a implementação da referida lei. Essa ausência de suporte é sentida, principalmente, entre os municípios de pequeno porte. Já os municípios de médio e grande porte foram aqueles que mais realizaram alterações em sua estrutura administrativa e financeira para a implementação da lei.

A falta de conhecimento e de engajamento sobre o tema também foi citada como impedimento para a efetivação desse ensino. Mas, apesar dos dados, a maioria das secretarias avalia como satisfatório o conhecimento e apropriação de diferentes atores da rede em relação às temáticas da educação para as relações étnico-raciais.

Mesmo após 20 anos, o cenário de implementação da lei ainda é crítico, revelando uma alta resistência dos implementadores das políticas públicas. Segundo a publicação, o desafio dessa transformação está posto em abordagens básicas, considerando que, nas redes de ensino, se escolhe refletir a educação para relações étnico-raciais sem que se pretenda rever a construção e manutenção de privilégios.

“É preciso, portanto, encarar de frente os desafios aqui propostos e renovar o compromisso da construção de uma educação antirracista e comprometida com a garantia de direitos de todas as crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos”, conclui o documento. história e cultura afro-brasileira