Mulher envolta da bandeira trans

Victória Dandara é a primeira travesti a se formar em Direito na USP

Primeira travesti a se formar em Direito na USP em 191 anos da universidade, Victória Dandara entende que essa é uma conquista coletiva

Por Beatriz de Oliveira

14|02|2023

Alterado em 14|02|2023

Nos anos de graduação na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Victória Dandara foi ativa: prestou assistência jurídica a pessoas de baixa renda, trabalhou em Organizações Não Governamentais (ONGs), fez militância e ajudou a fundar a coletiva Xica Manicongo. Mesmo assim, o sentimento de solidão era constante: a estudante não tinha referência de outras pessoas travestis que tenham integrado aquele espaço.

No dia 31 de janeiro, Victória Dandara teve sua colação de grau e se tornou a primeira travesti a se formar em Direito na USP, após quase dois séculos de existência dessa faculdade. “Eu levo esse marco mais como uma denúncia do que como uma honra. É revoltante saber que demorou 191 anos para ter uma travesti colando grau”, afirma a advogada, pesquisadora em direitos humanos e colunista do Nós, mulheres da periferia.

Foi Victória quem fez o juramento da colação de grau de sua turma. Usou esse momento para homenagear travestis ativistas dos direitos humanos, como Jovanna Baby, Kátia Tapety, Sara York, Dandara dos Santos e Xica Manicongo. “Essas são as verdadeiras protagonistas na defesa dos direitos humanos no nosso país e é por elas que temos que zelar em cada palavra que dissermos adiante e em nossas profissões”, disse na ocasião, envolta por uma bandeira trans.

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Victória Dandara dedicou seu juramento à mulheres trans defensoras dos direitos humanos. © arquivo pessoal

Victória Dandara é a primeira travesti a se formar em Direito na USP. © arquivo pessoal

A estudante colou grau no dia 31 de janeiro. © arquivo pessoal

Victória Dandara entende que dua formatura é uma conquista coletiva. © arquivo pessoal

A advogada entende que essa é uma conquista coletiva, pois abre caminhos e leva novas possibilidades para a comunidade de pessoas trans e travestis. O pensamento coletivo foi presente durante toda a graduação: por se sentir sozinha, Victória buscou conexões com outras estudantes e ativistas travestis.

“Tudo naquele espaço não é feito para nós. A gente entra e tem quadros de homens brancos, donos de escravos. É para esses corpos que a faculdade foi feita”, diz.

No esforço de conexão e fortalecimento da comunidade, houve em 2020 a criação da Coletiva Intertransvestigênere Xica Manicongo, formada por estudantes transexuais, travestis e intersexo da USP. “É um espaço de luta e resistência da nossa comunidade dentro da universidade. Infelizmente, a USP não nos enxerga, não temos políticas efetivas para nossa permanência e subsistência nesse espaço”, afirma.

Entre as ações realizadas pela coletiva, está um dossiê mapeando problemas de acesso ao uso do nome social e relatos de transfobia na universidade. Essa pesquisa resultou em inquérito da Defensoria Pública, que recomendou que a universidade realizasse ações de combate à transfobia.

Por fim, Victória deixa um recado para mulheres trans e travestis que sonham em ingressar no Ensino Superior. “Não deixem de sonhar e saibam que é possível. Quando nós sonhamos e nos permitimos alcançar e concretizar, estamos realizando um sonho ancestral. Estamos realizando o sonho daquelas que não imaginavam que seria possível, mas ao mesmo tempo lutavam para que fosse. Nós não estamos sozinhas”.

“Quando chegamos num lugar e não tem nenhuma outra travesti, na verdade estamos acompanhadas de todas aquelas que lutaram para que estivéssemos nesse espaço”.