Uma carta (do futuro) para professoras negras da Educação Infantil

Pedagoga Míghian Danae escreve diretamente do futuro para professoras negras de Educação Infantil. Em 2052, ela conta o que aconteceu depois das lutas para que a Educação Infantil ampliasse seu atendimento no Brasil. Confira!

13|12|2022

- Alterado em 13|12|2022

Por Redação

Este artigo integra a série “Eleições 2022: escolha pelas mulheres e pelas crianças“. Uma ação do Nós, mulheres da periferia, Alma Preta Jornalismo, Amazônia Real e Marco Zero Conteúdo, apoiada pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal

Olá, aqui é uma professora de crianças pequenas direto do futuro!

Estou em 2052. Deixei essa carta escrita para vocês saberem que estamos bem. Quando falo estamos bem, falo de mim e das crianças da minha turma: somos 20 bebês e crianças pequenas crescendo juntas numa turma com mais três professoras, todas com formação em pedagogia e pós-graduação nas mais diversas áreas, desde psicologia a neurociência.

Queria contar um pouco o que aconteceu depois das lutas que vocês, professoras e toda a sociedade civil, empreenderam desde o século XX para que a Educação Infantil ampliasse seu atendimento no Brasil. Há cinco anos, a gente conseguiu que todas as crianças de quatro e cinco anos estivessem matriculadas em centros de Educação Infantil – finalmente a palavra escola foi embora da vida das crianças! Ainda não temos todas as/os bebês matriculados, mas a boa notícia é que agora, além das instituições de Educação Infantil, começamos a construir centros recreativos em todas as cidades do Brasil, que oferecem atividades para bebês e crianças bem pequenas aos finais de semana junto com as famílias.

As cidades estão cada vez mais amigas das crianças no Brasil – acredita que hoje em dia, uma cidade do tamanho de São Paulo tem mais crianças brincando na rua do que em 2022? Isso porque criamos mais áreas abertas e estimulamos a ocupação das pessoas desde muito pequenas nos espaços públicos!

Não foi fácil e vocês sabem. Se a criança era um bem precioso em 2022, agora, com um Brasil cada vez mais idoso, as crianças se tornaram ainda mais especiais e importantes! Repactuamos as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) que foram divulgadas em 2010 e definimos a obrigatoriedade de as escolas ouvirem as crianças para organizar seu planejamento pedagógico anual – se isso não acontece, as famílias podem reclamar direto para uma ouvidoria federal! Esse nosso grande esforço fez tanto barulho que o Ensino Fundamental, em muitas cidades, juntou-se a nós e estamos trabalhando em comunhão para oferecer uma educação integral de qualidade até o quinto ano, com uma rotina de atividades que leva em consideração as interações e as brincadeiras como um aspecto fundante da aprendizagem das crianças até os nove anos.

Olhando para trás, vejo que nossos passos vêm de longe e já alcançamos muita coisa! Lembro que em 2022, quando uma jornalista do Nós, mulheres da periferia me perguntou o que eu desejava ou via para o futuro do nosso país como professora de Educação Infantil, eu respondi que só conseguiríamos muitas das coisas que vejo que conseguimos hoje com a contínua organização política da nossa categoria e a valorização profissional da carreira do magistério que atende às crianças pequenas, o que exige uma discussão entre os entes federativos sobre qual é o papel do Estado na proteção, provisão e participação das crianças brasileiras.

Lembro que nossas perspectivas em 2022 eram as melhores possíveis: tínhamos o sonho de construir um documento nacional que trouxe a discussão sobre equidade na educação desde a primeira infância, reforçando o que dizem as DCNEI – Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil – (2010) e firmando um compromisso de atender todas as crianças brasileiras.

Ah, eu não poderia deixar de contar para vocês que o Brasil ganhou um prêmio em 2028 por ter novamente acabado com a fome no país! Isso impactou muito aspectos relacionados à infância no Brasil e, com certeza, fez com os governos progressistas que chegaram ao poder incluíssem a primeira infância em sua política governamental.

Fiquem bem. Eu aqui do futuro estou esperando por vocês, junto com as crianças.

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Míghian Danae é pedagoga, foi professora de Educação Infantil por quinze anos na educação pública e é doutora em Educação. Atualmente é professora da Universidade Internacional da Integração da Lusofonia Afro-Brasileira em São Francisco do Conde (BA).

Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.

Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

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