Mulher negra sentada em cadeira vermelha

Raquel Tobias: ‘o samba é alimento, é minha válvula de escape’

A cantora e compositora Raquel Tobias faz questão de reafirmar a importância de mulheres no samba.

Por Beatriz de Oliveira

16|02|2023

Alterado em 17|02|2023

“A minha vida fica um pouco louca, mas eu gosto”, diz a sambista Raquel Tobias sobre a época de Carnaval. Esse ano, ela divide seu tempo na participação em shows e nos ensaios e organização de dois desfiles: da escola Estrela do Terceiro Milênio, no Grajaú, zona sul e no Bloco Pagu, no centro de São Paulo (SP).

A paulista é figura carimbada em blocos carnavalescos de São Paulo e Minas Gerais. Começou sua carreira no samba a partir do projeto “Samba de Todos os Tempos”, em que atuou como pastora – nome dado às mulheres que cantam nas escolas de samba – e hoje é presidente. A cantora e compositora também integra a Ala de Compositores do Samba da Vela e tem sua história contada no livro “Raquel Tobias: Aqui, tudo é samba”, escrito por Kabila Aruanda, Paula Pretta e Yuri Dinalli.

Mãe de três e avó de oito, Raquel se define como acolhedora e conta que adora cozinhar. Vive há mais de cinco décadas em Embu das Artes (SP), sente saudade da infância e de “pegar frutos no mato” com a mãe e os irmãos.

A vivência com a música veio logo quando menina. “Minha mãe sempre cantou os sambas de roda de Minas Gerais”, conta. Já o pai era barítono em uma igreja adventista e Raquel frequentava as aulas de música que havia no local. Além disso, a mãe a levava em escolas de samba.

“Minha mãe me levava em várias escolas, como Rosas de Ouro e Nenê de Vila Matilde. Mas quando fomos na bateria Furiosa do Trevo, da Camisa Verde e Branco eu fiquei apaixonada”, lembra.

Raquel Tobias se nutre de samba

Raquel iniciou sua carreira como cantora num momento de dor. Lidava com a dependência química de sua filha mais velha e tinha acabado de tomar para si a responsabilidade de criar as netas, quando uma amiga fez um convite: “vai cantar um pouco, você vai melhorar”. Foi aí que Raquel entrou no projeto “Samba de Todos os Tempos”, que reúne músicos, compositores e simpatizantes do samba no bairro de Santo Amaro, na zona sul de São Paulo (SP).

“Lá que eu aprendi a compor, entender o que é refrão e o que é verso, entender poeticamente a música”, afirma.

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Raquel Tobias é cantora e compositora. © arquivo pessoal

Raquel Tobias faz questão de reafirmar a importância de mulheres no ritmo musical. © arquivo pessoal

Raquel iniciou sua carreira como cantora no projeto “Samba de Todos os Tempos”. © arquivo pessoal

Raquel Tobias vive em Embu das Artes. © arquivo pessoal

A sambista conta que a dedicação à música a ajudou a enfrentar os preconceitos sofridos por ser uma mulher negra solteira na década de 1980 cuidando de crianças pequenas. Mas entende também que o ambiente do samba não é livre do machismo, reclama que ainda hoje os homens não confiam nas mulheres para comandar a descida dos blocos e desfiles, ou até para tocar um instrumento numa roda de samba.

“Que tanto a gente tem que ficar se provando?”, questiona após citar exemplos de mulheres que lideraram o canto de desfiles como Eliana de Lima, Samanta Santos e Mestra Rafa. “Chega a ser cansativo, mas eu não deixo de bater na mesma tecla que a gente é capaz”, diz.

Além das palavras, outra forma que Raquel usa para afirmar o papel das mulheres no samba, é por meio do figurino. Ela faz questão de customizar as roupas destinadas à ala musical das escolas em que desfila para que fique nítida a presença das cantoras. “Eu pego o blusão e transformo em vestido, mando pra costureira, coloco lantejoula, brilho. É pra mostrar que tem uma mulher ali no visual em que todos estão de calça e tênis. O gênero samba e samba-enredo já é muito masculino, então eu procuro deixar o mais ‘mulher’ possível”.

Questionada sobre o que o samba e o Carnaval significam para ela, Raquel responde: “alegria, tristeza, emoção, pra mim é tudo. O carnaval em si é uma adrenalina gostosa, eu gosto dessa loucura. Já o samba é um alimento, é minha válvula de escape”.

“Quando eu tô feliz eu canto, quando eu tô triste eu canto, quando eu tô indignada eu componho”.

Em agosto de 2022, o Nós, mulheres da periferia realizou a cobertura do evento “Massembas de Ialodês: celebrando o legado de Helena Theodoro”, que aconteceu no Sesc Pompéia. A programação reuniu artistas e pensadoras do samba vindas de diferentes estados do país para homenagear Helena Theodoro. E resultou em um documentário de mesmo nome, em que as entrevistadas resgatam o papel histórico e fundamental das mulheres negras para a consolidação do samba como tradição e cultura.