Ouçam as minas do rap e não passem pano para rimas machistas

Nos 50 anos de movimento hip hop no país, mulheres entregam produções memoráveis enquanto enfrentam o machismo da cena do rap.

29|08|2023

- Alterado em 17|05|2024

Por Beatriz de Oliveira e Mariana Oliveira

Advindo das periferias, o hip hop é a cultura das ruas e põe em prática o uso da linguagem, seja oral, escrita, ou visual, para aprimorar de forma crítica perspectivas sociais, culturais e políticas. No livro Teatro Hip Hop, a atriz-MC e slammer Roberta Estrela D’alva afirma que “a força política do hip-hop pode ser encontrada em seu nascimento, na festa de rua, como a ousadia da retomada do espaço público”.

Uma das maiores manifestações do hip hop é o rap, que em 6 de agosto de 2023 completou 50 anos no Brasil, a partir do estabelecimento da Lei nº 13.201. No rap, é comum a expressão da raiva, sentimentos e angústias. Uma forma de unir poesia e rítmica para quem ouve, ao mesmo tempo em que denuncia as mazelas da sociedade.

Desde o início, mulheres ocupam espaço nessa cultura e convivem com o machismo que desvaloriza e oculta suas produções. Pensando em registrar as potências das trajetórias de rappers da cena atual, nós, Mariana Oliveira e Beatriz de Oliveira, conversamos com seis mulheres do rap nacional que estão em início de carreira, são elas: Cristal, Boombeat, Iza Sabino, Ajuliacosta, Kaê Guajajara e Mc Luanna.

Conhecendo a trajetória individual de cada uma, algo muito comum foi a inspiração vinda de casa. Consumir o rap, o trap, o samba, o pagode e ritmos nacionais que influenciaram de diferentes modos na música que produzem atualmente. Embora ainda experimentem um espaço machista no rap, é nesse gênero que encontraram espaço para serem elas mesmas. É no rap que elas cantam de um modo que atravessa outras pessoas também.

Usam suas narrativas para questionarem o cenário que estão inseridas. Como se ouve, por exemplo, num trecho da música Pretas nas Ruas de Iza Sabino: “Agora cês vão ter que me engolir! /Já que pra hypar no rap basta você ter um pingulin”.

Não quero ser chave mestra, eu quero arrombar / Invadir essa porra, render esses cara / Eu sou boa demais pra ser ignorada

ROUFF, Tasha & Tracie

É também pela via da coletividade que enfrentam as atitudes machistas que ainda permeiam a cena. Daí surgiu, por exemplo, a produção do clipe e da música SET AJC, em que Ajuliacosta reuniu outras rappers para rimar e incluiu profissionais mulheres em todas as etapas de produção.

Os passos dados pelas mulheres da cena atual não são o começo, mas a continuidade daquelas que ousaram rimar durante a velha escola do rap nacional. Obrigada Nega Gizza, Negra Li, Dina Di, Sharylaine e todas as outras.

Respeitar as minas do rap é respeitar também o público feminino desse gênero. É sobre termos a possibilidade de ir num festival de rap com várias minas no line. Sobre podermos vibrar ouvindo rimas que nunca sairiam da caneta de um cara, que usam pronomes e referências femininas, como é o caso dos versos “atraída pelo sucesso e as nota de cem” e “montada em dinheiro igual Ashley Banks” – respectivamente das músicas Malvada, de Mc Luanna e Ashley Banks, de Cristal. É também, sobre estar apaixonada e escolher aquele rap pra lembrar do mano ou da mina – aqui indicamos Rotina, de Mc Luanna, e Confusão de Iza Sabino.

Não caras, não estamos falando que o rap dos manos deve ser cancelado e nem que o rap das minas só deve ser ouvido por mulheres. Pelo contrário, nossa playlist de rap é extensa e tem lugar pra vários mc’s da cena atual que desenvolvem um trabalho de peso. Nossa reivindicação é por respeito, não por divisão. A cultura hip hop é guiada por lutas contra opressões, portanto, não devemos aceitar atitudes opressoras, como o machismo, dentro desse espaço.

Nossas narrativas e nossa presença sempre foram invisibilizadas dentro da cultura hip hop. Por isso, comemoramos cada avanço e reviramos os olhos para cada nova letra preguiçosa que chama mulheres de interesseiras ou as reduzem a objetos sexuais.

As rappers estão cada vez mais se firmando na cena, mas ambicionam por muito mais, pois cantam numa voz coletiva. Através do rap, são fontes de inspiração para as que virão e continuidade das que vieram antes. Fãs de rap, ouçam as minas, elas tem muito a dizer. E não passem pano pra rimas machistas.

Conteúdo publicado originalmente no Expresso na Perifa – Estadão

Beatriz de Oliveira Beatriz de Oliveira é jornalista formada pela PUC-SP. Já passou pela redação da TV Cultura e pelo Jornal DCI

Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.

Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

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