Kaê Guajajara canta vivências na favela e críticas à colonização

Cantora indígena vive no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, e já lançou dois álbuns: Zahytata e Kwarahy Tazyr

Por Beatriz de Oliveira

25|08|2023

Alterado em 01|05|2024

Natural de Mirinzal (MA), Kaê Guajajara foi criada no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro (RJ), desde criança. Encontrou no rap a porta de entrada para expressar suas reflexões e vivências como mulher indígena na favela. Para ampliar seu alcance e contestar o colonialismo, diferentes estilos musicais.

“Não foi eu que decidi estar vivendo aqui na cidade, foi a cidade que chegou até os territórios originários”, pontua a rapper, que diz enfrentar julgamentos por ser uma indígena vivendo fora de um território demarcado.

O gosto pelo canto se manifestou ainda pequena, mas foi aos 15 anos de idade que começou a compor. Estava em um período de busca por identidade e questionamentos sobre a presença das narrativas indígenas nas artes.

Seu primeiro lançamento, a música Território Ancestral, de 2019, trata justamente do apagamento da presença índígena no país. O lugar aonde eu vivo/ Me apaga e me incrimina/ Me cala e me torna invisível, diz um trecho da faixa.

Kaê Guajajara encontrou no rap o meio de expor suas críticas. “O rap foi uma porta de entrada para transmutar todas aquelas coisas que eu estava sentindo dentro da favela, foi uma válvula de escape”.

Logo, a artista incorporou novas musicalidades no seu trabalho, no que chama de música popular originária. “É a junção dos beats do rap com o maraca e outros instrumentos indígenas”, explica.

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Ela também passeia por ritmos como funk e trap e entende que isso é uma forma de fazer sua mensagem chegar para mais pessoas. “Aos poucos a gente vai furando as bolhas, é uma tática que eu uso, mas sempre levo em consideração a mensagem”, diz.

Outra estratégia é a coletividade. Kaê é uma das criadoras do Azuruhu, selo artístico voltado para o desenvolvimento de artistas indígenas. Além do foco musical, o coletivo visa o fortalecimento dos artistas que vivem em cidades por meio da atuação conjunta.

Despertar para o bem viver

Em abril de 2023, ocorreu o lançamento do álbum Zahytata, que significa “estrela” em dialeto do povo Guajajara. Segundo a rapper, as 13 faixas formam uma narrativa de despertar para o bem viver.

“Percebo que as pessoas vivem em um coma colonial, reproduzindo e alimentando a cultura do colonizador, vendo com isso como o certo. Não se questionam sobre o estilo de vida, sobre como estamos construindo nosso viver neste território urbano. Quando falo em bem viver, imagino pessoas vivendo em coletividade, mantendo uma relação com a terra”

Kaê Guajajara

O bem viver também é sobre responsabilidade com o meio ambiente. “Se a gente parte do pressuposto de que a terra tudo nos dá, vemos que a nossa relação, enquanto sociedade, tem sido abusiva e de exploração”.

Em seu álbum anterior Kaê Guajajara também contesta a colonização. Lançado em 2021, Kwarahy Tazyr significa “filha do sol”, em dialeto do povo Guajajara. No ano seguinte, a obra ganhou formato visual, com clipe em todas as 10 faixas.

Para a artista, suas letras acolhem o público que busca conhecer sua história e enfrentar o apagamento histórico. Em sua opinião, após entender as violências da colonização em curso, o caminho é colocar em prática estratégias de ação.

“São muitas feridas abertas e a gente não tem as respostas. Precisamos nos fortalecer espiritualmente e pensar o que podemos fazer a partir da vivência corpo-território hoje”, diz Kaê.