
‘Nossa posse é o legítimo símbolo da resistência preta e indígena’
Confira como foi a posse de Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, e Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial, na quarta-feira (11).
Por Amanda Stabile
12|01|2023
Alterado em 12|01|2023
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem – o hoje – o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
O eco da vida-liberdade.
Com esse poema, de Conceição Evaristo, Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial, terminou seu discurso de posse na noite de quarta-feira (11). “Nós somos essas filhas e não vamos nos furtar à fala e ao ato. Não recuaremos, não retrocederemos e não vamos abaixar a cabeça mais. Não sairemos daqui”, declarou.
A cerimônia, em que Sônia Guajajara também tomou posse do Ministério dos Povos Indígenas, estava marcada para acontecer na última segunda-feira (9), mas teve de ser adiada após as invasões terroristas e antidemocráticas aos prédios dos Três Poderes, em Brasília, no dia anterior.
“Nós estamos aqui hoje, nesse ato de coragem, para mostrar que destruir a estrutura do Palácio do Planalto, do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional não vai destruir a nossa democracia”, afirmou Guajajara. “A nossa posse é o mais legítimo símbolo dessa resistência secular preta e indígena do nosso Brasil”.
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Reparação histórica
Para Sônia Guajajara a criação do Ministério dos Povos Indígenas sinaliza para o mundo o compromisso do Estado brasileiro com a emergência e a justiça climática, além do início da reparação histórica da invisibilidade e da negação de direitos. “Hoje vocês todos estão presenciando um momento de transição histórica, tal qual foi a singular colaboração indígena na Assembleia Nacional Constituinte”, apontou.
A ministra alertou para a urgência da promoção de uma cidadania indígena efetiva, a partir da demarcação de territórios, proteção e gestão ambiental e territorial, acesso à educação, acesso e permanência à universidade pública gratuita e de qualidade, ampla cobertura e acesso à saúde integral.
Durante seu discurso, Sônia também apontou o papel do racismo, da desigualdade e de uma democracia de baixa representatividade na invisibilidade da pauta indígena. “São séculos de violências e violações e não é mais tolerável aceitar políticas públicas inadequadas aos povos, às cosmologias e as compreensões indígenas sobre o uso da terra”.
A ministra ainda anunciou a recriação do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), criado pelo Decreto nº 8.593, assinado pela ex-presidente Dilma Rousseff, em 2015. O CNPI foi extinto em 2019 após um decreto assinado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro colocar fim a pelo menos 35 conselhos.
Durante a cerimônia, o presidente Lula sancionou a lei que equipara o crime de injúria racial ao de racismo. A pena pode variar de dois a cinco anos de prisão e, caso cometido por duas ou mais pessoas (injúria racial coletiva), será dobrada.
“Sabemos que não será fácil superar 522 anos em quatro, mas estamos dispostos a fazer desse momento a grande retomada da força ancestral, da alma e do espírito brasileiros. Nunca mais um Brasil sem nós”, concluiu.
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Luta por justiça
Anielle Franco começou seu discurso relembrando o dia 14 de março de 2018, data em que sua irmã, Marielle Franco, foi assassinada. “[Desde então] tenho dedicado cada minuto da minha vida a lutar por justiça, defender a memória, multiplicar o legado e regar as sementes da minha irmã”, apontou.
A ministra da igualdade racial também relembrou a posse de Lula e o recado que a cerimônia passou ao mundo. “Quando o presidente recebeu a faixa presidencial do povo, colocada por uma mulher negra e periférica, mostrou que o caminho para o futuro será liderado por aqueles e aquelas que há séculos resistem ao projeto violento que fundou esse país”.
Dentre as prioridades do Ministério da Igualdade Racial, Anielle apontou a luta pelo fortalecimento e a ampliação de políticas que culminem na dignidade da vida do povo negro brasileiro. Também firmou o compromisso de que seu cargo será exercido com transparência, seriedade, técnica, combatividade, cuidado, respeito à trajetória dos movimentos sociais e muita escuta.
“Reitero o que foi dito no pronunciamento de posse do nosso presidente Lula: o Brasil do futuro precisa responder às dívidas do passado. Por isso que em um governo de reconstrução, nós gostaríamos de falar também com os não negros: o enfrentamento ao racismo e à promoção da igualdade racial é um dever de todos nós”, disse.
A ministra ainda apontou que combater o racismo e o fascismo parte da luta por justiça, reparação e democracia. E que, dessa forma, é preciso identificar e responsabilizar quem insiste em manter a política de morte e encarceramento da juventude negra.
“Caminhem conosco até que nosso povo seja verdadeiramente livre, protagonista de sua própria trajetória, acessando direitos e dignidade em uma vida com justiça, reparação e felicidade”, convidou a população. “Caminhem conosco até que os sonhos de nossas ancestrais se tornem realidade”.
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