Mulheres com deficiência buscam representatividade nas Eleições

Mulheres com deficiência relatam a dificuldade de se enxergar em candidatos a cargos públicos nas Eleições de 2022.

Por Mariana Oliveira

10|06|2022

Alterado em 13|06|2022

Em propagandas eleitorais na televisão, quantas pessoas com algum tipo de deficiência você já viu? Quantas mulheres com deficiência ocupando cargos políticos você conhece? Consegue nomear ao menos uma?

A partir desses questionamentos, o Nós, Mulheres da Periferia foi conversar com Danielle Vieira, 23, moradora na região oeste de São Paulo (SP). Ela tem deficiência auditiva e relata sua principal angústia durante o período eleitoral: a falta de representatividade. 

Jornalista e ativista, Danielle é uma surda-ouvinte. Foi letrada com língua oral. Perdeu a audição ao longo dos anos, mais precisamente em, 2017, mesmo período em que ingressou na faculdade de jornalismo. 

“Eu quero alguém que me represente de verdade, ainda mais agora como surda. Eu quero ver candidatos dentro de partidos. Partidos grandes ou pequenos, sendo PcDs. Lutando”.

Segundo o Censo de 2010, o Brasil tem mais de 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, isto é, 23% da população. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU/2007) considera Pessoa com Deficiência (PcD) “aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas”.

A falta de representatividade nos cargos públicos reflete na criação, aprovação e andamento de projetos e políticas públicas favoráveis à comunidade. De acordo com um levantamento realizado pela Agência Pública para as eleições de 2020, somente 1,1% dos candidatos a disputa de cargos possuíam algum tipo de deficiência. O mesmo ano foi marcado por ser a primeira vez em que este tipo de informação passou a ser declarada pelos candidatos.

“O próprio boicote começa no horário eleitoral, você não vê Libras (Linguagem Brasileira de Sinais). Só colocam um quadradinho, mas não colocam legenda. Então uma pessoa como eu, que tem a Libras muito básica, como vou conseguir entender se preciso do apoio da legenda? É uma questão de começar na própria campanha eleitoral com foco no público”, relata a jornalista.

Danielle votou pela primeira vez com 16 anos e avalia que embate entre direita e esquerda é o principal foco das campanhas, deixando de lado discussões importantes de inclusão.

“Eu não quero votar no Bolsonaro, porque eu acho que ele representa a escória. Ao invés de dar direitos, de trazer algum benefício, ele tira”.

Em 2019, o ministro da Educação nomeado por Bolsonaro, Ricardo Vélez Rodríguez, que havia sido nomeado à época, decretou a extinção da secretaria Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) do Ministério da Educação (MEC), criada em 2004. A pasta era responsável pela diversidade, inclusão social e pela educação especial.

O caminho até o voto

De acordo com a Agência Câmara de Notícias, até 2018, eram 45,6 mil seções adaptadas para eleitores com algum tipo de deficiência no Brasil. Danielle não possui limitações motoras, portanto não enfrenta dificuldade para acessar seu colégio eleitoral. Por não ser fluente em libras, utiliza muito da leitura labial como recurso para auxiliar na interpretação das falas s. Mas critica a falta de acessibilidade de modo geral à comunidade PcD.

“Acessibilidade não é só colocar rampa no local, não é só colocar um intérprete de libras. Acessibilidade vai desde aumentar o número de vagas de emprego até o número de cotas na universidade pública”.

Nas eleições de 2018, o único apoio que teve foi de sua mãe, que vota na mesma seção e acabou a instruindo. “Eu noto que as seções eleitorais não são acessíveis para cadeirantes, por exemplo. Eu já vi uma pessoa que utiliza muletas que teve de subir escada, porque não conseguiram transferir a sala dele para baixo”. 

Em 2012, foi instituído o Programa de Acessibilidade da Justiça Eleitoral que garante direito de voto aos eleitores com deficiência ou mobilidade reduzida. Esses Programas de Acessibilidade, devem ser responsáveis por organizar planos de ação para garantir o acesso desses cidadãos.

Durante a pandemia de Covid-19, Danielle sente sua maior dificuldade após o diagnóstico: o uso de máscaras. Por se apoiar bastante na leitura labial, nas eleições deste ano acredita que irá agir no automático. “Já sei o que eles vão perguntar e como vão perguntar. Vou fazendo antes de esperar eles falarem algo”. 

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Danielle após a cirurgia e aparelho implante coclear.

©arquivo pessoal

O Programa de Acessibilidade da Justiça Eleitoral determina que os os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) devem firmar parcerias de incentivo de cadastro de mesários e colaboradores com conhecimento em Libras. 

Para as eleições de outubro, o TSE incluiu medidas para pessoas com deficiência, como o aprimoramento da sintetização de voz para as pessoas com deficiência visual e apresentação de um intérprete de Libras na tela da urna, para quem tem dificuldade auditiva.

Danielle se considera otimista para este ano e para o futuro na política, acompanhando pessoas PcDs dizendo que irão se candidatar. “O que está me movendo é isso, procurar alguém, algum candidato, mesmo que ele não tenha tanta força, porque infelizmente, toda vez que uma pessoa com deficiência tenta se candidatar, ele é boicotado dentro do próprio partido”. 

Em abril deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) adiou o julgamento de uma ação que pode reduzir ou extinguir a política de cotas para PcDs. O adiamento não tem previsão de retornar à pauta. A Lei 8.213, de 24 de julho de 1991 estabelece cotas de 2% a 5% da força de trabalho para pessoas com deficiência foi criada em 1991, e vai completar 30 anos em julho. 

Nas Eleições de 2020, apenas três pessoas com deficiência foram eleitas como parlamentares no âmbito federal e estadual. Dos três, apenas uma é mulher, a senadora Mara Gabrilli (PSDB).

A modelo Zannandra Fernandez, 20, é ativista pelos direitos de pessoas com deficiência e utiliza as redes sociais como principal veículo para a militância.

Zannandra nasceu com distrofia muscular, nasceu PcD e ao longo dos anos passou a usar cadeira de rodas. “Quando eu me tornei cadeirante e comecei a me conhecer através de uma cadeira de rodas, foi quando eu vi o quanto ela poderia ser minha aliada. Eu sempre faço questão de falar que: cadeira de rodas não é prisão, não é limitador, ela é libertadora.”

Decidindo seus votos para as Eleições de 2022, ela procura noso plano de governo dos candidatos, se as propostas estão alinhadas às causas da comunidade. “Vejo se os candidatos que me identifico politicamente tem propostas que contemplem Pessoas com Deficiência e se alguma possa nos atingir”. Ela pondera os discursos dos próprios candidatos para identificar se a utilização das imagens de candidatos com deficiência são apenas estratégias para conseguir votos.

Nos dias de votação, sempre contou com o auxílio do pai, que vota na mesma zona eleitoral. Em contrapartida, o colégio fica do outro lado da cidade e além da distância, a estrutura da escola não atende às suas necessidades. “Era um colégio antigo, sem reformas e pouco acessível para mim. Eu contava com o auxílio do meu pai o tempo todo, dessa forma, não corria o risco de não conseguir exercer o meu direito como cidadã.”

A Justiça Eleitoral determina que o eleitor com deficiência pode solicitar transferência do local de votação para uma seção com acessibilidade até 151 dias antes , como uma seção instalada em local com rampas e/ou elevadores. O suporte que Zannandra recebe do pai também é garantido pelo TSE com o voto acessível, que permite que o eleitor tenha ajuda de uma pessoa para o acompanhar

Em 2016, uma Proposta de Emenda à Constituição, a PEC n° 34, de 2016, solicitava reservar cadeiras parlamentares para pessoas com deficiência na Câmara dos Deputados, nas assembleias legislativas e na Câmara Legislativa e nas câmaras municipais. A proposta segue parada desde a apresentação. Apesar disso, a ativista se vê otimista para o futuro.

“A única forma de um representante político descobrir as nossas pautas e necessidades, é nos colocando para trabalhar ao lado dele”.

Para as eleições de outubro, o TSE incluiu medidas para pessoas com deficiência, como o aprimoramento da sintetização de voz para as pessoas com deficiência visual e apresentação de um intérprete de Libras na tela da urna, para quem tem dificuldade auditiva.


Esta reportagem integra a campanha #CompartilheInformação #CompartilheDemocracia realizada pela Artigo 19 e PerifaConnection