Mão negra e mão branca

Manuela Thamani: ‘É necessário discutir a branquitude na filantropia’  

Codiretora executiva Observatório da Branquitude, Manuela Thamani, aponta as relações entre branquitude e filantropia

Por Beatriz de Oliveira

07|11|2023

Alterado em 10|11|2023

Em maio de 2023, o Instituto Beja lançou o estudo “O Futuro da Filantropia no Brasil: Contribuir para a Justiça Social e Ambiental“, que trouxe à tona importantes questões relacionadas à igualdade racial no contexto da filantropia brasileira. O estudo, que entrevistou 42 profissionais atuantes nesse campo, revelou dados surpreendentes sobre a representatividade racial e o compromisso com a promoção da igualdade.

A pesquisa apontou que a maioria dos entrevistados considera a igualdade racial uma das questões mais cruciais na sociedade brasileira. Entretanto, apenas 14 das organizações estudadas demonstraram um efetivo empenho na promoção dessa igualdade em suas atividades. Além disso, dos 42 entrevistados, somente três não se identificaram como brancos.

Estes dados ressaltam a urgência de abordar questões raciais nas organizações filantrópicas do país. Nesse sentido, a especialista Manuela Thamani, mestra em Comunicação e codiretora executiva do Observatório da Branquitude, enfatiza a importância da reflexão sobre a branquitude.

Segundo Manuela, a discussão da branquitude é fundamental, pois revela os privilégios materiais e simbólicos que beneficiam as pessoas brancas em uma estrutura que perpetua o racismo. Ela destaca que as pessoas brancas não devem se considerar protagonistas no combate ao racismo, mas sim amplificar as vozes do movimento negro e engajar-se de forma ativa na luta contra a discriminação racial.

“As pessoas entenderam que ao falar de classe é necessário fazer articulação com raça, gênero e território. Mas, estamos em um momento em que também é importante discutir branquitude. Se a gente não fizer isso, não enxerga de fato quais são os movimentos para que o resultado final continue sendo racista”, afirma.

Em entrevista Manuela Thamani aponta as relações entre branquitude e filantropia, e a necessidade dessa discussão nas organizações. 

Nós: Pode explicar o conceito de branquitude?

Manuela Thamani: Quando falamos de branquitude, falamos de privilégios materiais e simbólicos em que pessoas brancas são beneficiadas pelo racismo. Estamos falando de poder, numa estrutura em que existem articulações para que pessoas brancas permaneçam nesses espaços.

Nós: Qual o papel das pessoas brancas no dia a dia para o enfrentamento ao racismo?

Manuela Thamani: No Observatório da Branquitude, acreditamos que a mudança só acontecerá de fato se for estrutural, a partir de políticas públicas. As pessoas brancas devem partir para a ação, com o cuidado de não se acharem protagonistas desse debate. Então, o papel dessas pessoas é de amplificar o que está sendo debatido diante do movimento negro, isso é uma ação diária.

Nós: Por que é imprescindível discutir a questão racial dentro da filantropia?

Manuela Thamani: É fundamental discutir a branquitude na filantropia e começar a considerar a dimensão racial. Acredito que já houve discussões sobre outros aspectos, como classe social, gênero e território, mas agora é essencial abordar a branquitude. Se não o fizermos, não entenderemos completamente como as práticas filantrópicas podem continuar perpetuando o racismo. A discussão é o primeiro passo para a conscientização e, embora possa gerar conflito, é necessário para avançar.

Nós: Como a ampliação dessas discussões acerca de questões raciais podem contribuir para a melhoria da filantropia no país?

Manuela Thamani: Se a filantropia visa promover o bem-estar social é indissociável discutir a questão racial. Estamos num momento de discutir a estrutura da filantropia em si. O conteúdo programático está muito bem desenvolvido, temos uma pluralidade de organizações que trabalham nas mais variadas frentes. Mas pouco falamos da própria estrutura das organizações, dos institutos, dos fundos. É necessário fazer discussões sobre como as pessoas que estão tomando as decisões têm um perfil narcísico, estão em iguais, que mesmo pensando em filantropia acabam beneficiando os seus semelhantes.

Nós: Estruturas da branquitude podem ser vistas no cenário de projetos filantrópicos do Brasil?

Manuela Thamani: Sim, é possível observar a influência da branquitude em projetos filantrópicos no Brasil, desde questões superficiais, como a aparência das pessoas em cargos de poder, até comportamentos mais profundos. Por exemplo, o Instituto Marielle Franco identificou 15 hábitos supremacistas brancos enraizados em organizações e propôs soluções para combatê-los. Um exemplo disso é o medo do conflito aberto, que é muitas vezes considerado cultural, mas pode ser uma atitude supremacista branca, pois abordar conflitos em particular pode favorecer um determinado grupo. Esses comportamentos têm raízes históricas no passado escravocrata do país.

Nós: Como iniciar discussões sobre raça em organizações sociais?

Manuela Thamani: Em 2023, não há desculpa para não iniciar discussões sobre raça em organizações sociais. Existem várias maneiras de começar essa conversa, como ler o Nós, mulheres da periferia, a gênese do veículo já abre muito a cabeça de quem está alienado. Estamos na era do Google, portanto, há muitos recursos disponíveis para orientar a discussão. Não é necessário esperar por uma solução totalmente personalizada para sua organização, a menos que você esteja disposto a investir nisso. Há organizações que preferem abordar o tema por escrito, outras por meio de discussões orais ou arte. Os caminhos são múltiplos, basta estar um pouco comprometido com a democracia do seu país para poder fazer isso.

Conteúdo publicado originalmente no GIFE – Grupo de Institutos, Fundações e Empresas