Livro “Direitos da Esquina” reflete sobre a Justiça para pessoas trans no Brasil

Ao refletir sobre a advocacia trans e travesti no Brasil, a colunista Victória Dandara pretende explorar um campo até então pouco estudado: o da potência

02|02|2024

- Alterado em 02|02|2024

Por Redação

Com o término do Mês da Visibilidade Trans, o meu primeiro texto do ano traz um momento singular: o lançamento do meu primeiro livro autoral “Direitos da Esquina: A empatia de uma advocacia trans como catalisador do acesso à justiça para quem vive às margens da sociedade. A obra, que será lançada no dia 7 de fevereiro, quinta-feira, pela editora Amanuense em São Paulo (SP), já está disponível para vendas. No entanto, as reflexões da coluna deste mês vão além da divulgação do livro, provocando questionamentos sobre as instituições brasileiras.

Este ano celebramos os 20 anos da visibilidade trans, conquistada com esforço do movimento de travestis e transexuais.

Se hoje temos uma data para exaltação de nossa comunidade e maior luz sobre o debate de nossas demandas, é devido às reivindicações históricas e organizações políticas de nossas mais velhas.

Janaína Dutra, a primeira travesti brasileira registrada na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e pioneira na advocacia formal, é lembrada como parte fundamental desse progresso histórico.

No entanto, ao contemplar nomes como Jovanna Baby, Keila Simpson, Indianarae Siqueira e Kátia Tapety, que não seguiram uma carreira formal como advogadas, apesar de dedicarem-se fervorosamente à defesa de direitos, surge o questionamento sobre se essa não seria a verdadeira face da justiça. Afinal, foram essas ativistas que contribuíram significativamente para a implementação de diversas políticas públicas que desfrutamos atualmente, expandindo o Estado Democrático de Direito que tanto estudamos nas universidades.

Ao adentrar na maior e mais tradicional instituição de ensino superior destinada aos futuros juristas do Brasil, a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, fundada há 197 anos, constato a ausência total de referências a corpos semelhantes ao meu. Entretanto, ao iniciar projetos relacionados aos direitos de grupos socialmente vulneráveis, percebo como meu trabalho com eles se destaca em qualidade e identificação.

Ao explorar a fundo temas como acesso à justiça e aprofundar-me nos estudos de transfeminismo, interseccionalidade, imagens de controle e outros conceitos das ciências sociais, fui instigada a refletir: seria o atendimento jurídico conduzido por uma pessoa travesti distinto daquele oferecido por indivíduos cisgêneros? Minha identidade de gênero poderia ser um elemento diferencial, atuando como catalisador no acesso à justiça, especialmente em casos relacionados aos direitos humanos? Estas foram as questões que busquei responder em meu Trabalho de Conclusão de Curso na mais antiga faculdade de direito do Brasil.

Ao apresentar uma obra como “Direitos da Esquina” em meio ao período de reconstrução democrática sob o governo Lula, junto aos 20 anos de visibilidade trans no Brasil, percebo que esta obra se configura como um manifesto à justiça brasileira, incitando-a a uma profunda reflexão. Mais do que isso, ela representa uma potencialidade para trilhar um novo caminho para o(s) Direito(s), retirando-os do convencional local de imparcialidade e distanciamento em relação à sociedade.

A visão de justiça que proponho não é cega; ao contrário, ela enxerga e reconhece marcadores fundamentais como gênero, classe e raça. A partir desses elementos, busca construir novos espaços de conforto e acolhimento, almejando a efetivação da cidadania para todos, todas e todes. Ao refletir sobre o potencial que uma advocacia trans e travesti pode agregar à sociedade e à reconstrução do Brasil, meu desejo é que nos distanciemos da objetificação e, até mesmo, da exotificação que a academia muitas vezes impõe aos corpos transgêneros. Pretendo, assim, explorar um campo até então pouco estudado: o da potência.

Acredito profundamente que as travestis e transexuais desempenham um papel fundamental na transformação deste país. Além disso, ao longo de décadas e até séculos, tensionamos ativamente uma transição na concepção de justiça.

Que ela [a justiça] deixe sua cisgeneridade classista, racista e eurocentrada e se permita transitar para algo novo, verdadeiramente democrático e acolhedor.

Assim como ocorreu no dia da primeira Marsha Trans Nacional, expresso a esperança de que o Supremo Tribunal Federal (STF) adote as cores de nossa bandeira. Ao construirmos um mundo melhor para nós, estamos, simultaneamente, buscando uma sociedade mais cidadã e justa para todos, todas e todes.

Victória Dandara é travesti, cria da zona leste de São Paulo (SP), pesquisadora em direitos humanos, advogada transfeminista e filha de Oyá. Foi uma das primeiras travestis a se graduar em direito na USP e hoje luta não só pela inclusão da população trans e travesti, mas por uma emancipação coletiva a partir da periferia e da favela.

Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.

Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

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