Hackeando o sistema e aprendendo a sonhar 

A colunista Ashley Malia fala sobre sonhos e futuro, temas caros para a nossa comunidade e que precisamos nos apropriar

05|12|2022

- Alterado em 09|12|2022

Por Redação

Falar sobre sonhos, pra mim, sempre foi algo muito complexo. Quando me perguntaram pela primeira vez quais eram os meus sonhos, ou qual o meu maior sonho, me via num vazio imenso tentando pensar no que eu almejava na vida. A verdade era que eu não tinha perspectiva nenhuma. 

Sempre fui uma menina preta da periferia, só tive acesso ao básico, nada além disso. Nunca fui incentivada a sonhar, nunca mesmo pensei que era possível sair do bairro que sempre morei. A falta de incentivo e referências minaram o meu direito de sonhar e sei que muitas meninas pretas e da periferia também acreditam que não têm esse direito. 

Por isso, hoje eu quero falar de sonho e de futuro, temas muito caros para a nossa comunidade, mas que precisamos cada vez mais nos apropriar deles. 

Sonhar é custoso para a comunidade negra. Fica difícil pensar em sonho quando se está preocupado em sobreviver. Em uma sociedade que mata um jovem negro a cada 23 minutos, pensar em sonhos é ter medo de se frustrar. Como ter perspectiva de futuro se você não sabe se chegará aos 30 anos? 

É duro pensar sobre isso, porque estamos criando jovens que não sabem como será o dia de amanhã. Será que vai conseguir fazer uma refeição? Será que conseguirá voltar para casa sem sofrer uma abordagem violenta? Como sobra tempo para pensar no futuro se ele é tão incerto? Esse é mais um capítulo das infinitas injustiças sociais que nós, negros, vivenciamos no Brasil.

Diante dessa realidade, sonhar parece ser sinônimo de remar contra a maré. E é. Para nós, sonhar é uma ousadia, é hackear o sistema e lutar contra a história que escreveram para nós, é tentar escrever uma nova história, um novo futuro. 

Por isso, cada jovem negro que se levanta contra o sistema racista está escrevendo uma nova história. Não somente para nós, mas principalmente para os nossos que estão chegando. Eles poderão sonhar sem se preocupar até qual idade viverão. E isso que estou dizendo é também um sonho.

Foi conhecendo outros jovens negros, principalmente mulheres negras, que entendi como hackear o sistema e aprendi a sonhar.

E sonhar é tão bom! Agora que aprendi a sonhar, quero colecionar sonhos e escrever minhas próprias histórias. Hoje, quando me perguntam qual é o meu sonho, eu não falo só um, são inúmeros, porque eu, mulher preta, também posso sonhar. 

Eu quero viajar o mundo, quero conhecer pessoas de diferentes lugares, quero ter uma casa bonita (e própria!), quero que meus irmãos possam ter as mesmas oportunidades que tive na vida, quero que outras meninas negras consigam sonhar e realizar.

Meu sonho é que mais jovens negros hackeiem esse sistema que todos os dias destrói nossos sonhos. E sei que conseguiremos!

Preta e plural. É baiana, jornalista e influenciadora digital. Fala sobre autoestima, raça, livros, cultura pop e viagens. Em 2020, foi premiada pela Câmara Municipal de Salvador com o Prêmio Maria Felipa.

Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.

Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

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