jovens com cartazes em manifestação

Estudantes contam experiências frustrantes com o Novo Ensino Médio

No dia 15 de março, estudantes foram às ruas em todo país pela revogação do Novo Ensino Médio; professora explica porque o modelo tem falhas

Por Beatriz de Oliveira

17|03|2023

Alterado em 17|03|2023

Nesta quarta-feira (15), milhares de jovens protestaram pela revogação do Novo Ensino Médio (NEM). As manifestações ocorreram em 51 cidades do país e foram convocadas pela União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) e a União Nacional dos Estudantes (UNE). Além da extinção do modelo atual, o objetivo das entidades é a reconstrução da escola pública a partir de um debate com a sociedade.

O sentimento que ficou para a estudante de 15 anos Gabrielle Cunha, moradora de Diadema, zona sul de São Paulo (SP) após participar do ato foi de esperança. “Ver as organizações estudantis gritando por nós foi gratificante demais. Foi um passo importantíssimo para nossa luta, e espero que ninguém abaixe a guarda e a cabeça diante da situação que presenciamos”, afirma.

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A estudante Brenda Pinheiro participou da manifestação pela revogação do Novo Ensino Médio © arquivo pessoal

A estudante Gabrielle Cunha foi até o MASP para participar do ato em São Paulo © arquivo pessoal

Atos foram convocados pela União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) e a União Nacional dos Estudantes (UNE) © Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Alunos e professores têm críticas ao Novo Ensino Médio © Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Atos pela revogação do Novo Ensino Médio aconteceram em 51 cidades © Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

“Minha experiência com o Novo Ensino Médio tem sido deprimente, os itinerários são sem pé nem cabeça e, querendo ou não, desanima muito ver esse sucateamento da nossa educação. A situação é deplorável, ver os meus professores comentando sobre eles precisarem fazer e seguir um itinerário que eles não tem nem formação é triste demais”, conta Gabrielle.

O Novo Ensino Médio começou a ser implantado em 2022 e prevê que os estudantes escolham entre diferentes itinerários formativos, privilegiando uma formação técnica. O modelo vem sendo criticado por estudantes e docentes por apresentar uma série de problemas, dos conteúdos à aplicação.

Itinerários formativos são conjuntos de disciplinas que os estudantes poderão optar ao cursar o Ensino Médio. Esses conjuntos podem priorizar uma ou mais áreas do conhecimento (Matemáticas e suas Tecnologias, Linguagens e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas). Além disso, há itinerários formativos que focam na formação técnica e profissional.

Também da zona sul de São Paulo, a estudante Brenda Pinheiro, de 16 anos, relata uma vivência semelhante com o novo modelo. “Minha experiência tem sido bem ruim, a falta de matérias importantes tem dificultado bastante os meus estudos para o Enem. Na minha turma, não temos quase nenhuma aula de Humanas”, conta.

Para ela, a possibilidade de escolher estudar determinados assuntos em detrimento de outros não prepara de fato para a vida adulta. “Não passa de uma tentativa de barrar o progresso da nossa educação”, diz, referindo-se aos itinerários formativos.

Gabrielle concorda: “o Novo Ensino Médio representa o que o sistema não quer que saibamos, representa o temor do sistema em ver pobre, a classe trabalhadora, e pessoas oprimidas estudadas e graduadas, com o verdadeiro conhecimento que temos o direito de ter”.

Porque o Novo Ensino Médio prejudica alunos e professores?

Implantado pela Lei nº 13.415/2017 durante o governo de Michel Temer, o Novo Ensino Médio começou a ser implantado em 2022. O modelo flexibiliza o currículo escolar e permite que os estudantespriorizem determinadas áreas de conhecimento, ou ainda escolham uma formação técnica e profissional. Isso é possível através dos chamados itinerários formativos, os quais variam de acordo com as redes de ensino.

De acordo com o Ministério da Educação (MEC), o Novo Ensino Médio “contribuirá para maior interesse dos jovens em acessar a escola e, consequentemente, para sua permanência e melhoria dos resultados da aprendizagem”.

Na prática, o que acontece é o contrário. Segundo a professora Ana Paula Corti, mestre em Ciências Sociais e doutora em Educação, um dos fatores que explicitam os problemas do modo de ensino é a falta de investimento financeiro. Não houve contratação de novos professores, construção de novas escolas técnicas e espaços como laboratórios, oficinas e quadras poliesportivas.

“Houve uma alteração muito significativa no currículo sem nenhuma alteração na infraestrutura que a escola tem disponível. Com a multiplicação do número de componentes curriculares que foi trazido pelos itinerários formativos, a situação da escola ficou muito pior do que era antes, porque isso criou uma desorganização, uma dificuldade enorme no processo de atribuição de aulas para os professores. Então, aqueles professores que já estavam dando as aulas das disciplinas clássicas é que estão tendo que assumir essas novas aulas, o que fragmentou o trabalho deles”, explica. A partir daí, surgem relatos, por exemplo, de professores tendo que dar aulas de matérias sobre as quais não têm formação.

Além disso, o modelo dos itinerários formativos não contempla todo o conhecimento necessário para os estudantes. “Eles têm atingido em cheio o direito dos jovens ao conhecimento, porque na prática estão tendo menos disciplinas clássicas como história, geografia, física, química, biologia. Todas essas disciplinas tiveram redução de aulas”, afirma a professora.

O acentuamento das desigualdades educacionais é mais um dos pontos negativos do Novo Ensino Médio. Ana Paula Corti aponta que as escolas com menor quantidade de turmas e professores têm menor potencial de oferecer uma variedade de itinerários formativos aos estudantes, o que faz com que eles não tenham de fato uma possibilidade de escolha. Já as escolas maiores, mesmo com as dificuldades que o modelo apresenta, conseguem disponibilizar mais opções aos alunos.

Segundo nota técnica de 2022 da Rede Escola Pública e Universidade (REPU), da qual Ana Paula faz parte, “os estudantes mais pobres da rede estadual – particularmente os/as do Ensino Médio noturno – são sempre mais prejudicados: têm menos possibilidades de escolha, mais aulas sem professores e a oferta de expansão da carga horária mais precarizada”.

No dia 09 de março, o MEC abriu uma consulta pública de avaliação e reestruturação da política nacional de Ensino Médio. De acordo com a pasta, estudantes, professores e gestores escolares serão ouvidos sobre a experiência de implementação do modelo.