Mulher negra diarista de camiseta verde

Diarista é impedida de esquentar marmita durante serviço

Em conversa ao Nós, mulheres da periferia, a diarista Marcelle Oliveira relata o desrespeito que sofreu durante faxina em Ipanema, no Rio de Janeiro.

Por Beatriz de Oliveira

02|03|2023

Alterado em 02|03|2023

Nesta segunda-feira (27), Marcelle Oliveira saiu da sua casa na comunidade da Carobinha, zona oeste do Rio de Janeiro (RJ), para fazer faxina em um apartamento em Ipanema, zona sul. Como sempre, levou sua marmita, e no horário do almoço informou ao cliente que iria usar o microondas. Ele a impediu.

“Eu cheguei e dei ‘bom dia’, ele me olhou e não respondeu. Entrei e fui fazer meus afazeres. No horário do almoço eu fui até ele e falei ‘eu vou parar para almoçar e esquentar minha marmita no microondas’. Então, ele me disse: ‘os eletrodomésticos da casa são de uso dos moradores da casa’. Eu entrei no banheiro, troquei de roupa e vim embora pra minha casa”, conta Marcelle em entrevista ao Nós, mulheres da periferia.

Indignada com a situação, a diarista fez um post no Twitter como forma de desabafo. Seu relato repercutiu e houveram comentários de pessoas que, assim como ela, viveram situações de desrespeito durante o trabalho com faxina. “Cada comentário que eu leio eu penso ‘porque um ser humano trata o outro assim?’, relata.

“Se uma pessoa precisa de mim para limpar a casa dela, é sinal que eu sou essencial na vida dela. Da mesma forma que um médico, um professor, um bombeiro”.

Nos comentários, também há várias pessoas oferecendo envio de PIX para Marcelle. “Não quero doação, só que continuar minha vida normal”, diz. A partir da repercussão, a faxineira passou a receber o auxílio de uma advogada de forma voluntária.

O valor acordado pela faxina havia sido de R$ 250. A princípio o contratante não quis pagar, alegando que Marcelle não havia terminado o serviço. No entanto, a diarista afirma que no dia 1º de março ele fez o depósito do valor completo.

Marcelle é mãe solo de seis crianças, trabalha como faxineira e como doceira. Assim como a maioria das trabalhadoras domésticas do Brasil, Marcelle é uma mulher negra. Pesquisa de 2022 do Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas (Dieese), mostrou que as mulheres representam 92% das pessoas ocupadas no trabalho doméstico no país, e 65% delas são negras. Outro dado é que maioria tem mais de 40 anos e renda média inferior a um salário mínimo.

A forma como o trabalho doméstico é tratado no Brasil é também herança da escravidão. Em entrevista ao Nós, mulheres da periferia, Luiza Batista, presidenta da Federação das Trabalhadoras Domésticas, afirmou: “O trabalho doméstico vem daquela época, das mulheres negras que eram mucamas, que faziam o trabalho dentro das casas grandes. Era uma violência tremenda. O trabalho doméstico tem tudo a ver com o resquício da escravidão”.