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‘Deus acima de tudo’: é pecado não votar no Bolsonaro?

Magali Cunha, pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (ISER) explica o que cristãos não bolsonaristas pensam de falas e atitudes do presidente.

Por Mariana Oliveira

25|10|2022

Alterado em 25|10|2022

Politização nos cultos, apoio de lideranças importantes no meio evangélico e partidos que concentram parlamentares evangélicos. Desde as eleições presidenciais de 2018, temos visto o atual presidente Jair Bolsonaro (PL) ganhar apoio nestes grupos. O suporte se dá, principalmente, pela adoção de discursos firmados em pautas conservadoras em prol da “família brasileira”.

Bolsonaro, autodeclarado católico, se apoia no discurso do cristianismo protestante desde 2016, quando foi batizado nas águas do Rio Jordão, em Israel (mesmo local em que a Bíblia diz que Jesus foi batizado), pelo Pastor Everaldo Pereira, membro da Assembleia de Deus Ministério Madureira e presidente do Partido Social Cristão (PSC). Seu casamento com Michelle Bolsonaro em 2013 foi celebrado pelo pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo.

A historiadora Gisele Cristina Pereira, liderança do grupo Católicas pelo Direito de Decidir, especialista e mestre em Ciência da Religião, explica que os evangelhos alertam sobre o exercício de uma “fé vazia”. Ela afirma, que “não adianta invocar “Deus acima de tudo”, se o que se pratica é o ódio, a violência, a exclusão e a opressão. Não é Deus que está acima de tudo, mas um projeto autoritário que se utiliza da crença para se legitimar e fazer submeter”.

Nesse sentido, discordando de atitudes e discursos adotados pelo presidente, foi criado o movimento #LivrePraVotar nas redes sociais, durante o primeiro turno das eleições de 2022. O movimento em que cristãos são contra o apoio a Jair Bolsonaro, propõe denunciar “atitudes que dividem a igreja”.

Outros cristãos também estão se manifestando nas redes. É o caso da rapper e influenciadora Stella Yeshua, que publicou um vídeo de desabafo em sua página no Instagram. Ela relata que está muito assustada de como a fé dos apoiadores do presidente não pauta humanidade.

O que os cristãos devem levar em consideração antes de ir às urnas: o discurso levantando a bandeira da família ou as atitudes práticas? Para responder a questão, conversamos com Magali Cunha, cristã, doutora em Ciências da Comunicação e pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (ISER).

Nós, Mulheres da Periferia: O que é fascismo e porque as falas do presidente Jair Bolsonaro podem ser consideradas fascistas?
Magali Cunha: O fascismo se caracteriza pela eliminação do outro, a censura de uma oposição, a não permissão da diversidade e aceitação única exclusiva daquele ideologia. A forma de comunicação do presidente é considerada fascista por vários analistas e estudiosos de política por ser um autoritarismo extremista, que impõe a violência verbal e estimula a violência física.

O que a ideologia dele defende é baseada no tradicionalismo, nos costumes da pauta moral aliada a um neoliberalismo que retira direitos conquistados para os segmentos minoritários sociais como os trabalhadores, a população negra, as mulheres e as pessoas com deficiência. Essa articulação se movimenta em uma dimensão que vai ao extremo de eliminar toda e qualquer oposição.

Nós: A extrema polarização entre direita e esquerda podem ser prejudiciais para o país e a população?
Magali: As polarizações não são negativas. Toda polarização é reflexo de um debate social, então ter polos de disputa faz parte do espaço democrático.

O negativo é impedir a existência do outro, qualquer postura de unificação de um único lado e negação da diversidade, demonização do outro resulta na perda do espaço democrático, prejudicando a sociedade e as próprias igrejas que são assentadas no princípio da diversidade.

Nós: No contexto atual, em direção ao segundo turno, vemos Jair Bolsonaro se apoiando no discurso do cristianismo, porque isso é perigoso em relação ao direito civis e humanos?
Magali: Esse discurso é perigoso, porque é um discurso religioso instrumentalizado para defesa de uma ideologia de extrema direita, que retira direitos e privilegia as parcelas privilegiadas da população. Diminui o acesso social à justiça, nega a pluralidade e a oposição. Então o discurso cristão está sendo utilizado particularmente para referendar e angariar adeptos a este princípio ideológico.

Há também uma aliança de Bolsonaro com outros grupos religiosos porque esse discurso conservador, alcança também outras religiões como espíritas e judeus garantindo apoio amplo de outras parcelas religiosas.

Nós: Conforme estabelecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos, todo indivíduo tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos, sem distinção de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza. É notável a quebra desses valores em discursos pregados pelo presidente, essas atitudes também vão na contramão do pregado pelo cristianismo?
Magali: A ideologia do bolsonarismo alcançou com força as igrejas evangélicas e católicas, porque tocou em primeiro lugar o aspecto histórico das igrejas que é o autoritarismo daquilo que deve ser realizado e defendido. Também alcançou um imaginário que ao longo dos anos, principalmente com a cultura gospel de guerra espiritual, de que é preciso combater os inimigos da fé que estavam fora das igrejas.

Durante muito tempo eram identificadas religiões de matriz afro, mas recentemente são as feministas, os ativistas LGBT e cada vez mais inimigos foram trazidos para o campo da política para serem combatidos. Além disso, agora mais recentemente se coloca os inimigos dentro da própria igreja, ou seja, quem defende a pauta de direitos consistentes na esquerda, os mais progressistas são identificados como o inimigo dentro das próprias igrejas.

Nós: O que devemos considerar durante a escolha: o discurso em prol do cristianismo ou as atitudes tomadas?
Magali: O lema “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” assumido pelo governo Bolsonaro não corresponde ao que ele realiza, notamos isso nas mais de 687 mil mortes por Covid-19 no Brasil. Atitudes negacionistas e de não prevenção para salvar vidas, foi o maior exemplo de que não é “Brasil acima de tudo” e nem “Deus acima de todos”, porque Deus é misericórdia, cuidado, pastoreio, se realmente fosse assumido pelo governo teria um outro tipo de atitude.

Outro exemplo é a política de armar a população em uma perspectiva vingativa. Quem causa mal por conta do crime é também algo que se contrapõe a “Deus acima de tudo”. Deus não é belicoso nem violento, o que rege o cristianismo são os Evangelhos e neles a figura de Jesus é uma figura da pacificação, da mansidão, do respeito o que não corresponde ao tipo de morte na forma como vem sendo aplicado por este governo.


Conteúdo publicado originalmente no Expresso na Perifa – Estadão