Cinco mulheres negras para se inspirar no Dia Internacional da Mulher

Da literatura à política. No Dia Internacional da Mulher, relembre a vida e trajetória de mulheres negras que marcaram a história brasileira.

Por Mariana Oliveira

08|03|2023

Alterado em 08|03|2023

O Dia Internacional da Mulher foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1975, em memória aos movimentos de mulheres em luta por melhores condições de vida e trabalho. A história se concentra na propagação de manifestações ocorridas nos Estados Unidos e na Europa.

Trazendo aos dias atuais, em 2019 o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou um relatório mostrando que mulheres negras recebem 42% a menos que mulheres brancas. Por isso, é importante o recorte de raça ao discutir sobre os direitos da mulher.

Pensando em trazer à memória histórias de mulheres negras que inspiram gerações, listamos cinco revolucionárias de diferentes áreas, que impactaram a sociedade com seu trabalho.

Esperança Garcia

Ela vivia na fazenda Algodões, localizada na região de Oeiras, atual cidade do Piauí, considerada a primeira capital do estado, hoje a 300 quilômetros da atual capital, Teresina. Quando Esperança tinha 9 anos, em 1760, a terra foi incorporada à coroa, com administração do capitão Antônio Vieira do Couto

Já adulta e casada, foi levada à força para ser cozinheira do então capitão Antônio Vieira de Couto. Separada do marido e sofrendo constantes espancamentos e violências, junto a um de seus filhos, decidiu escrever uma carta para Gonçalo Lourenço Botelho de Castro, presidente da Província de São José do Piauí, cargo equivalente a governador do Piauí.
Datada de 6 de setembro de 1770, aos 19 anos, ela detalhou os maus-tratos aos quais ela, suas companheiras e o filho sofriam. Um trecho diz: “Há grandes trovoadas de pancadas em um filho meu sendo uma criança que lhe fez extrair sangue pela boca, em mim não posso explicar, que sou um colchão de pancadas”

Além disso, ela usou a religião para advogar em nome de outras mulheres e dela própria, dizendo: “Eu e mais minhas parceiras por confessar há três anos. E uma criança minha e duas mais por batizar“. O que ela queria, em resumo, era voltar para sua família e ter direito a condições mínimas de vida.

A carta foi encontrada em 1979 e, por seu contexto e argumentos, se enquadrou nos critérios jurídicos para uma petição, contendo um pedido específico, endereçamento, identificação, narrativa dos fatos e fundamento no direito. Por isso, em 2017 a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Piauí reconheceu Esperança como a primeira advogada do Piauí.

Ana Dias (Clube de Mães)

Nascida em 23 de janeiro de 1943, Ana Maria do Carmo Silva Dias cresceu em Terra Roxa, interior de São Paulo. Trabalhou em lavouras de café desde os sete anos para ajudar a família. Ao se casar com o operário Santo Dias da Silva, mudou-se para Santo Amaro, zona sul de São Paulo (SP).

Ana e o marido entraram na militância em busca de melhorias para os trabalhadores rurais e urbanos, com o grupo Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Durante o período da ditadura civil-militar surgiram greves e manifestações sindicais. No mesmo período, Santo Dias foi assassinado, assim Ana acrescentou a luta por justiça e preservação da memória do esposo às pautas que reivindicava.

Ela ajudou a criar o Clube de Mães da Zona Sul e, sendo uma das principais lideranças, organizou a luta de mulheres por direito à creche e melhores condições de trabalho nas fábricas. Atualmente, continua ativa na militância auxiliando mães e mulheres e conta sua trajetória em entrevistas, nas associações e movimentos por onde passa.

Maria Beatriz Nascimento

Natural de Aracaju (SE), a historiadora Maria Beatriz Nascimento nasceu em 12 de julho de 1942. Aos sete anos mudou-se para o Rio de Janeiro com a família, em busca de melhores condições de vida. Na capital, formou-se em história na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e tornou-se professora. Durante o período na faculdade, Beatriz participou de núcleos de estudo sobre negritude.

Em suas pesquisas, a intelectual se especializou nas temáticas relacionadas ao racismo e como a sociedade posiciona a mulher negra como inferior. Seu pensamento ficou mais conhecido a partir do documentário “Ôrí” (1989), filme que registra os movimentos negros brasileiros entre 1977 e 1988.

Toda a trama é narrada por ela e faz uma relação entre a cultura afro-brasileira e africana, trazendo a perspectiva de Beatriz sobre os quilombos, como ideia contínua e que se atualiza nos modelos urbanos da sociedade e da simbologia cultural.

Seu trabalho e militância foram interrompidos em 1995, aos 52 anos. Vítima de feminicídio, Beatriz foi assassinada a tiros pelo namorado de uma amiga, presa a um relacionamento abusivo.

Lélia Gonzalez

A mineira nascida em 1935, em Belo Horizonte, mudou-se para o Rio de Janeiro ainda na infância. Na cidade, Lélia Gonzalez teve a oportunidade de cursar a faculdade de filosofia na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

Lélia se casou pela primeira vez em 1964, com Luís Carlos Gonzalez, um homem branco. O casal foi vítima de preconceito em decorrência do relacionamento interracial, fato que levou Luis suicidar-se em 1965. Casou-se pela segunda vez em 1969, mantendo o sobrenome do primeiro companheiro.

Autora de obras como “Lugar de negro” (1982) e “A mulher negra na sociedade brasileira” (1982), lecionou por mais de 30 anos carregando sempre em seu trabalho discursos sobre gênero e raça. Essa inquietação à fez fundar o Movimento Negro Unificado (MNU) eparticipar do Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN) e do Coletivo de Mulheres Negras (Nzinga). Foi ativa politicamente no cargo de suplente de deputada do Partido dos Trabalhadores (PT) e Partido Democrático Trabalhista (PDT) e atuou no Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, vinculado ao Ministério da Justiça.

Lélia faleceu em 1994, no Rio de Janeiro, em decorrência de problemas cardiovasculares.

Mercedes Baptista

Conhecida como a primeira bailarina negra do Theatro Municipal do Rio, Mercedes Baptista nasceu em 20 de maio de 1921, em Campos dos Goytacazes (RJ), mas cresceu na capital. Seu primeiro contato com a arte se deu quando começou a trabalhar na bilheteria de um cinema.

Mercedes estudou dança por três anos e após a formação, participou de um concurso para ser bailarina no Theatro Municipal carioca, um dos mais importantes do país. Em 1948 se tornou a primeira mulher negra a compor o balé da instituição, mesmo sendo membro oficial local recebeu poucos papéis de destaque.

Vivendo de perto o preconceito, a bailarina se aproximou do movimento negro, entre eles o Teatro Experimental do Negro (TEN), criado por Abdias do Nascimento. No início dos anos 50, conseguiu uma bolsa de estudos na Dunham School of Dance, em Nova York (EUA), onde estudou por um ano. No Brasil, em 1953 fundou o “Ballet Folclórico Mercedes Baptista”, em que trabalhava movimentos de tradições afrobrasileira e era exclusivo para alunos negros. Com o nome fortalecido enquanto coreógrafa e professora em outras instituições, o grupo se desfez em 1967.

Antes de seu falecimento em 2014, Mercedes se tornou professora de dança no Brasil e Estados Unidos, no Theatro Municipal, no Connecticut College (EUA, no Harlem Dance Theater e no Clark Center de Nova York.