
Ataque em escola: como lidar com o trauma?
Ataque em escola na zona oeste de São Paulo (SP) deixou uma morte e quatro feridos; saiba como escola e sociedade podem lidar com esse cenário de violência
Por Beatriz de Oliveira
29|03|2023
Alterado em 30|03|2023
Nesta segunda-feira (27), um aluno de 13 anos esfaqueou quatro professoras e um colega na Escola Estadual Thomazia Montoro, na zona oeste de São Paulo (SP). A professora Elisabeth Tenreiro, de 71 anos, morreu após parada cardíaca. Um dos estudantes teve crise de pânico ao presenciar a cena do ataque na escola. Situações de violências como essa deixam traumas para professores, alunos e funcionários do ambiente escolar; e até para quem não viveu a situação de fato, como pais de alunos.
“A escola fica marcada. Marca os alunos, professores, as famílias, a direção e a comunidade como um todo. A gente nunca está preparado para lidar com isso, sobretudo por ser uma escola e trabalhar com crianças e adolescentes, não se espera que situações de violência extrema aconteçam”, afirma Roberta Federico, psicóloga escolar que atua em escola municipal de Itaboraí (RJ).
Para a pedagoga e mestre em Educação Claudia Bandeira, o caso é efeito do movimento conservador e autoritário vivenciado na área da educação nos últimos anos. “Desde 2016 vem crescendo esse movimento de grupos que atacam estudantes e profissionais da educação que combatem o racismo, o sexismo e a LGBTfobia nas escolas”, diz a assessora das áreas de Educação e Juventude da Ação Educativa.
De acordo com levantamento da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), de 2002 a 2023, já são 23 casos de ataques em escolas, incluindo o atual. Apenas no último semestre de 2022, foram registrados quatro episódios extremos de violência escolar.
Relatório enviado ao Governo de Transição pela Campanha Nacional Pelo Direito à Educação em dezembro de 2022, já alertava para o aumento de situações de violência nas escolas.
Mas, como lidar com traumas como esse? Segundo Roberta Frederico o primeiro passo é que a escola suspenda as aulas por alguns dias para permitir a vivência do luto. Essa ação foi tomada na Escola Estadual Thomazia Montoro, que ficará uma semana fechada. Realizar acolhimentos, atendimentos psicológicos com os alunos e fazer homenagens às vítimas também são maneiras de lidar com o trauma.
No entanto, a responsabilidade não é apenas da escola.
“Eu não tenho dúvida de que os funcionários da escola se dedicassem a conversar e orientar os alunos. A questão é que muitas vezes esses alunos vêm de ambientes e famílias muito disfuncionais e precisam de outros suportes, como assistência social, saúde mental e recursos culturais. Como ele está na escola 200 dias letivos acaba se acreditando que é a escola que vai resolver, quando na verdade é necessário uma ação em rede”, explica a psicóloga escolar.
Em relação às mães e pais que ficam preocupados com a segurança dos filhos a partir de casos como esse, Roberta aponta que a escola deve estar aberta a ouvir e acolher essas preocupações. É válido ainda que os responsáveis participem da criação de estratégias escolares.
“Não dá pra um grupo de funcionários que trabalha na escola resolver sozinhos questões que são sistêmicas, então é fundamental a participação comunitária”, diz.
Atenção à saúde mental nas escolas
A lei 13.935 de 2019 prevê que as redes públicas de Educação Básica tenham serviços de psicologia e serviço social para atender às necessidades do ambiente escolar. O atendimento psicológico nas escolas é, inclusive, uma demanda dos estudantes. Segundo pesquisa “Nossa Escola em (Re)Construção”, publicada em 2019, 64% dos estudantes do ensino fundamental e médio consideram importante ter psicólogo na escola.

Roberta Federico é psicóloga escolar
©Marcelo Valle
Roberta Federico explica que o trabalho do psicólogo em ambiente escolar, área em que ela atua, ocorre de forma grupal fazendo resolução de conflitos, usando comunicação não violenta e desenvolvendo habilidades sociais. “Para tornar a escola um espaço menos adoecedor é fundamental trabalhar com os alunos o respeito, a educação emocional, como lidar com a raiva”, relata.
A presença desse profissional nas escolas é essencial ainda para casos de alunos que praticam autolesão ou que tenham crises de ansiedade, por exemplo. Caso o psicólogo perceba que um aluno precisa de maior suporte, ele o encaminha para a rede clínica. No entanto, Roberta ressalta que é comum que os alunos sejam encaminhados para a rede pública de saúde e não consigam ser atendidos por falta de vagas ou outros problemas.
Mapeamento divulgado em 2022 pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo e o Instituto Ayrton Senna revelou que quase 70% dos estudantes da rede estadual paulista apresentam sintomas ligados à ansiedade e depressão. A pesquisa alertou ainda que quanto mais prejudicada a saúde mental do estudante estiver, mais ele pode ter problemas de aprendizagem.
História afro-brasileira nas escolas já!
Ataques em escolas têm sido vistos anualmente no país. Em março de 2019, ex-alunos da Escola Estadual Professor Raul Brasil, em Suzano (SP), mataram dez pessoas a tiros. Em setembro de 2018, um adolescente deixou dois colegas feridos ao atirar contra eles no Colégio Estadual João Manoel Mondrone, em Medianeira (PR).
Em alguns casos de violência no ambiente escolar a motivação alegada pelos infratores é o bullying. No caso do ataque em escola que ocorreu nesta segunda-feira, uma semana antes o agressor havia feito insultos racistas a um colega, a partir disso se iniciou uma briga que foi apartada por uma professora. Essa professora foi um dos alvos do aluno no dia do atentado.

Claudia Bandeira é pedagoga e mestre em Educação
©arquivo pessoal
Para a pedagoga Claudia Bandeira, a situação expõe a necessidade da discussão do racismo em sala de aula e da aplicação da lei 10.639, que obriga o ensino de história e cultura afro-brasileira. “Se as escolas e os gestores tivessem um compromisso efetivo com a implementação da lei nas escolas, muito dificilmente um caso como esse teria acontecido. É necessário trazer discussões sobre o racismo por meio de gestão democrática. Esse ano, completa 20 anos dessa lei e as escolas não assumiram efetivamente a sua implementação nos projetos pedagógicos”, afirma.
“Eu defendo, enquanto psicóloga escolar, que estudar a História da África contribui fortemente para o desenvolvimento de uma autoestima, um desenvolvimento psicológico saudável, passa por um exercício de autoconhecimento coletivo, de criar uma um ambiente escolar onde a hierarquização das raça não aconteça, onde todas as pessoas saibam de suas raízes e das contribuições dos seus povos de origem”, aponta Roberta Federico.
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