Amores tóxicos nos deixam mais pobres

Você já parou pra pensar quanta grana já gastou para superar o mal que aquele contatinho te fez? Em quantas sessões esse tema foi pauta da sua terapia? Nessa coluna, vamos refletir sobre isso e também sobre violência patrimonial

14|12|2023

- Alterado em 14|12|2023

Por Amanda Stabile

Recentemente, ao analisar meus gastos fixos, percebi que, sem contar o aluguel, minha maior despesa é, sem dúvidas, relacionada à saúde mental. Psicóloga, psiquiatra, remédios, canabidiol – tudo isso para lidar com questões que acontecem dentro de mim, estimuladas por fatores e interações externas.

Parece um tanto injusto termos prejuízos financeiros para reparar estragos e traumas causados por uma estrutura social opressora, que nos afeta diariamente, e por relacionamentos que, frequentemente, não conseguimos sequer contar nos dedos os benefícios que nos trouxeram.

Você já parou para pensar quanta grana já gastou para superar o mal que aquele contatinho te fez? Em quantas sessões esse tema foi pauta da sua terapia? Quantos remédios você já tomou para controlar sua ansiedade diante dos desentendimentos? Olhando por essa perspectiva, pagarem o nosso almoço nos encontros não é nada comparado ao que gastamos para nos curar.

Além disso, o empobrecimento causado por amores tóxicos atinge escalas ainda mais graves, afetando não apenas nós, reles anônimas, mas também mulheres famosas, conscientes e empoderadas. Como é o caso da apresentadora Patrícia Ramos que denunciou o antigo companheiro por violência doméstica e alegou ser vítima de estelionato sentimental.

Também conhecida como estelionato afetivo, essa violência envolve manipulação emocional para aplicar golpes, especialmente econômico-financeiros. Na denúncia de Patrícia, é apontado que o ex-companheiro abriu uma conta em seu nome após saber de sua intenção de se divorciar e pediu que sua assessora enviasse todos os cachês para lá.

Essa é uma manifestação da violência patrimonial, que, segundo um estudo realizado pelo Datafolha a pedido do C6 Bank, cresceu 47% durante a pandemia. Além disso, 24% das mulheres relataram terem sido agredidas verbalmente ou humilhadas em temas ligados às finanças, e 10% até foram agredidas fisicamente por causa de dinheiro.

O caso da apresentadora Ana Hickmann está dentro dessas estatísticas. No início de novembro, ela registrou um Boletim de Ocorrência por violência doméstica contra Alexandre Correa, seu marido. Segundo ambos, a discussão teria começado por motivos financeiros, considerando que as empresas de Ana eram administradas por ele.

Desde 2021, as dívidas da apresentadora vêm crescendo. Ana deixou de pagar algumas contas e fez empréstimos bancários para quitar empréstimos anteriores. No final de outubro deste ano, segundo o Banco Safra, havia 46 ações judiciais de cobrança contra as empresas da apresentadora, totalizando R$ 14,6 milhões. Os bens de Ana foram bloqueados para pagamento da dívida.

Ana também desconfia que o marido tenha falsificado suas assinaturas em contratos, alegação que ele nega. Em entrevista ao Domingo Espetacular, a apresentadora afirmou que “existe uma grande investigação de fraude, desvio e falsidade ideológica” em suas empresas

Outro exemplo envolve a cantora Lexa, que pode ser prejudicada financeiramente por uma dívida de Mc Guimê, seu ex-marido. Em 2016, antes do casamento, ele comprou um imóvel em Alphaville (bairro nobre entre Santana de Parnaíba e Barueri, em São Paulo), não quitou e perdeu uma ação contra os donos, sendo condenado a pagar R$ 421 mil para a parte vencedora.

Lexa pode ser responsabilizada, já que a Justiça de São Paulo autorizou o bloqueio de até 30% de seus rendimentos mensais para o pagamento da dívida, considerando que a cantora foi casada com comunhão universal de bens. Ela afirmou que vai recorrer da decisão.

Compilei todos esses casos neste artigo como um alerta de que a violência contra a mulher acontece de diversas e criativas maneiras. A notícia boa é que a violência patrimonial pode ser enquadrada na Lei Maria da Penha; a má notícia é que os casos são subnotificados, pois a maioria das vítimas não denuncia por vergonha, desconhecimento, entre outros motivos.

“A violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades” – Lei nº 11.340/2006, Art. 7º,  inciso IV

Em relação ao adoecimento mental por conta de relações falidas, embora não se aplique a todos os casos, a justiça brasileira já possui precedentes de processos nos quais pessoas foram condenadas a pagar pelo tratamento psicológico da vítima – como este, julgado em junho pela Justiça do Espírito Santo. Vale se informar com um advogado.

Como denunciar a violência patrimonial?

Dentre os principais caminhos para denunciar a violência patrimonial está a realização de um Boletim de Ocorrência (BO) em uma Delegacia da Mulher – unidades especializadas em atender e acolher mulheres vítimas de violência. Também é possível registrar o BO online e denunciar pela Central de Atendimento à Mulher, ligando para o número 180.

O próximo passo é reunir o máximo de provas possível. Isso pode incluir prints de conversas por meio das redes sociais, extratos de transações financeiras, históricos de depósitos, gravações e outros materiais que comprovem a violência.

Para obter assistência jurídica gratuita, caso não tenha condições de contratar um profissional, é possível procurar a Defensoria Pública do seu estado, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no seu município, clínicas jurídicas universitárias ou atendimentos em outras iniciativas gratuitas ou de baixo custo.


Conteúdo publicado originalmente no Expresso na Perifa – Estadão

Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

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