Acabou a Copa do Mundo 2022 e temos muito o que ouvir e aprender

Futebol é história, política e emoção. Confira a retrospectiva e análise da Copa do Mundo 2022 da jornalista e especialista em futebol, Mônica Saraiva.

19|12|2022

- Alterado em 19|12|2022

Por Redação

Durante 28 dias aconteceram partidas emocionantes, cheias de contextos e histórias dentro e fora dos estádios.

Cada pessoa vivenciou e sentiu esse Mundial à sua maneira. Seja torcendo pelo futebol, pelo lado cultural ou político. Teve assunto para todo mundo.

Falando em emoções, já começo essa coluna escrevendo sobre a final entre Argentina x França, neste domingo, 18 de dezembro. O “futebol arte” esteve presente e os Deuses do Futebol assistiram de camarote. Com certeza aplaudiram de pé a essência da partida.

Independentemente de qualquer tema relacionado às duas seleções, ver aquele futebol dentro de campo contagiava, tanto que está se falando em ser um dos melhores jogos da história das Copas – que acontece desde 1930.

Teve raça, coragem, lances, passes em equipe, comemorações, abraços, superstições.

A Argentina venceu nas penalidades, por 4×2, conquistando o tricampeonato depois de 36 anos. Sua última vitória foi com o camisa 10 Maradona em 1986.

Messi, o grande ídolo da seleção e torcida latina, pôde realizar seu grande sonho em conquistar o título. Afinal, desde 2006 esperava esse feito histórico.

Falando em Messi, no bairro da Mooca, localizado na zona leste da cidade de São Paulo, as ruas foram ocupadas pela torcida que se misturava entre argentinos, brasileiros, santistas, palmeirenses e corintianos.  Dizem que o futebol une, e eu pude comprovar isso estando no meio da torcida emocionada, que só queria um pouco de alegria e descontração para suas vidas, assistindo a uma partida de futebol.

A vitória sobre a França neste domingo, traz esperança para um país que vem sofrendo com feridas sociais e tem passado por uma profunda crise econômica nas últimas décadas. 

Do outro lado, havia a França com seu time “Negritude”. Suas raízes ancestrais estão em Angola, Camarões, Congo, Mali, Guiné Bissau e outros países africanos. Outro grande craque camisa 10 que fez parte dessa seleção foi Mbappé, com três gols na partida e considerado o artilheiro da Copa com oito gols. Último jogo de emoções, assim como toda Copa do Mundo.

Quem não se emocionou com a seleção de Marrocos e suas mães participando com gestos de carinhos e danças celebrando a vitória de seus filhos? Os “Leões do Altas” chegaram às semifinais, foi a primeira vez que uma seleção do continente africano chegou tão longe em um Mundial.

Emoções no jogo, assim como fora dele, 14 dos 26 jogadores não nasceram em Marrocos e escolheram vestir as cores do país para representar as raízes familiares.  Tratando de temas históricos e políticos dentro de campo, Marrocos venceu os países europeus Bélgica, Espanha e Portugal.

Já nos jogos da seleção iraniana, aconteceram algumas manifestações de ativismo político por parte da torcida. No Irã, as mulheres são proibidas de entrarem nos estádios.

O país vive uma onda de protestos após a morte de Mahsa Amini, 22 anos, detida pela polícia após violar as regras sobre o uso de hijab, o lenço tipicamente islâmico que cobre a cabeça das mulheres. Alguns jogadores se manifestaram a favor dos protestos que pedem o fim da violência contra mulheres e mais direitos. Durante o jogo contra a Inglaterra, os 11 jogadores titulares permaneceram em silêncio enquanto o hino era tocado no Khalifa International Stadium.

Falando em mulheres, pela primeira vez na história das Copas do Mundo um trio de arbitragem feminina apitou um jogo. Após 92 anos, a francesa Stéphanie Frappart, a brasileira Neuza Back e a mexicana Karen Diaz Medina fizeram história na partida entre Costa Rica e Alemanha.

O número 24 também entrou em campo, ele costuma ser evitado nas camisas de times de futebol. O preconceito é associado com as pessoas LGBTQIA+, por conta do jogo do bicho que representa o animal veado pelo 24. O uso da camisa com essa numeração poderia ferir a masculinidade. Essa polêmica foi evitada na Copa do Mundo do Catar, o zagueiro Bremer, da seleção brasileira, jogou com ela na partida contra Camarões.

Um dos jogos também comentados por vários fatores históricos extra-campo, foi a Tunísia que venceu a França por 1 x 0. Durante os hinos nacionais, a França foi vaiada pela torcida tunisiana. O motivo? A Tunísia foi uma colônia francesa nos séculos XIX e XX, declarando sua independência só em 1956.

Por fim, antes de comentar sobre a seleção brasileira, quero falar do atacante da seleção da Suíça Breel Embolo, de 25 anos, que fez seu primeiro gol em uma Copa do Mundo ao garantir a vitória contra Camarões. Apesar dessa conquista, Embolo não comemorou, pelo fato de que ele nasceu em Camarões. Após o pai e a mãe se divorciarem, sua mãe se mudou para a Suíça quando ele tinha cinco anos. 

Embolo tem uma organização sem fins lucrativos com atuação humanitária na Suíça e em Camarões. Na Suíça, o foco é dar apoio para crianças refugiadas.

Essa Copa do Mundo teve muito o que falar, ver, ouvir e aprender.

Como brasileira gostaria que a seleção tivesse ganhado, sempre vou torcer pelo meu país. Mas, não deu para nós.

A seleção brasileira não conquistou o tão desejado Hexa, mas deixou boas recordações. Muitas pessoas voltaram a vestir a camisa verde e amarela que representa o futebol brasileiro desde 1954.

Nos transportes públicos, aconteceram mais interações entre as pessoas. Eu, por exemplo, assisti parte de um dos jogos no ônibus, vendo do celular de uma pessoa que sentava ao meu lado.

Amigos (as) e famílias se encontraram mais, rolaram churrascos, debates no sofá de casa, rodas de conversa no bar.

As ruas estavam mais coloridas com as bandeirinhas. Eu acho que nos empolgamos principalmente depois do gol de Richarlison, uma meia bicicleta parecida com a capoeira, nosso Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.

Também presenciei o comércio das ruas. Com a Copa, se gerou renda para as pessoas que vendiam camisetas, ou bebidas entre os lugares que tinham TVS e telões.

É isso. Esperemos a Copa do Mundo de 2026. Mas antes, em 2023 tem Mundial Feminino. Então fica a dica e vamos fortalecer essas mulheres que lutaram e lutam pelo direito de jogarem bola. 

Mônica Saraiva é jornalista, fotógrafa e diretora. Moradora da Brasilândia, em São Paulo (S), é filha de mãe e pai cearenses. Trabalhou 10 anos no Museu do Futebol. É cofundadora do Gondwana F&C (Futebol & Cultura) e da Gondwana Comunicações. Também atua como mentora, consultora e palestrante de temas relacionados a cultura, educação e esporte.

Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.

Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.