No Irã, há 2 meses o grito de luta é ‘Mulher, Vida, Liberdade’

Desde a morte da jovem Mahsa Amini em setembro, mais de 300 pessoas foram mortas pelo regime islâmico no Irã. Apesar do massacre civil, o levante popular não recuou nem um dia sequer.

23|11|2022

- Alterado em 23|11|2022

Por Redação

Em 16 de setembro, a morte da jovem Mahsa Amini, de 22 anos, chocou o Irã e o mundo. Com a mesma banalidade, que escancarou a misoginia e opressão do regime islâmico, depois de Mahsa outras centenas de pessoas foram mortas. E essa normalização tem colocado o povo iraniano em sério risco.

Na mesma medida em que as manifestações de apoio e indignação se mantêm nas ruas, a repressão violenta do regime autoritário do aiatolá Ali Khamenei tem ganhado cada vez mais dimensão.

Até o dia 15 de novembro, de acordo com relatório da IHR (Iran Human Rights), pelo menos 326 pessoas, incluindo 43 crianças e 25 mulheres, foram mortas desde o início dos protestos em todo o país. 

Das 43 crianças mortas, nove eram meninas e três de nacionalidade afegã. Todas elas eram menores de idade, mas nem todas possuíam identificação. 

Assassinatos, prisão em massa e sentença de morte

São muitos mortos. Em particular, as mulheres têm sido assassinadas à luz do dia, em protestos de rua, manifestações nas escolas, ou simplesmente caminhando em via pública.

Em um só dia, as forças de segurança do regime mataram 16 pessoas com munição de fogo em Khash, na província de Sistan, em Baluchistão.

Jornalistas também são alvos do regime. Até o momento, de acordo com a ONG Repórteres sem Fronteiras, 34 profissionais de comunicação estão presos, sendo 15 mulheres, e muitos com acusações que podem levar à pena de morte como, por exemplo, “conspiração contra a segurança nacional”.

Segundo a ONU, cerca de 14 mil pessoas já foram presas no Irã por protestarem contra o regime. Nesta semana, o Parlamento aprovou, com 227 votos favoráveis dos 290 deputados, a sentença de morte para manifestantes envolvidos nesse mais recente levante, como uma ‘dura lição’ que, segundo as autoridades iranianas, é “um pedido da sociedade para conter os protestos”.

Nesta segunda-feira (14), o perigoso precedente já foi confirmado: a Corte em Teerã sentenciou um manifestante, sem identidade divulgada ainda, à morte por supostamente ter ateado fogo em um prédio do governo.

Essas informações foram divulgadas pela Reuters e artistas e ativistas passaram a denunciar o risco que as mais de 10 mil pessoas presas correm agora com essa decisão do regime.

Em 15 de novembro a ONU exigiu a liberdade de todos os manifestantes presos. De acordo com a agência internacional, pelo menos 10 manifestantes já receberam sentença de morte pelos tribunais islâmicos. Um absurdo!

Não deixar silenciar

Em outubro, conversei com Mahmooni, artista iraniana que vive no Brasil há uma década e que tem sido voz ativa no país para denunciar as graves violações do regime de Khamenei contra o povo iraniano. 

O principal pedido da ativista foi exatamente o de potencializar as vozes das mulheres iranianas. Ela explicou que o que ocorreu com Mahsa não foi exceção tampouco o estopim das mobilizações, mas, infelizmente, somente mais um exemplo do que acontece com as mulheres violentadas pelo regime islâmico.

Mahmooni é artista e faz parte da Orquestra Mundana Refugi, formada por músicos e artistas de todo o mundo. Siga o Instagram da artista e ativista iraniana para acompanhar atualizações sobre o assunto ou enviar o seu apoio. Cada demonstração de apoio importa muito!

“A diferença é que em outros momentos o governo conseguiu reprimir as mobilizações antes que elas se espalhassem. Há três anos, o governo cortou a internet e matou 1050 pessoas nas ruas. Todos sabem. Mas, dessa vez, pessoas ajudaram, inclusive cedendo internet para iranianas, e por isso conseguimos compartilhar vídeos de policiais atirando contra a população, mulheres e crianças. Então essa é a diferença. Agora o mundo escutou a nossa voz, nossas manifestantes nas ruas, e nós queremos algo muito simples, só queremos viver com liberdade”, defendeu. 

Sobre esse evento ocorrido em novembro de 2019, denunciado por diversas organizações internacionais de direitos humanos, não há ao certo o número de mortes de manifestantes, mas de acordo com a Anistia Internacional, ao menos 300 pessoas foram assassinadas nos protestos de cinco dias que tomaram o país naquele ano.

A Anistia Internacional também reportou denúncias de tortura por parte das forças de segurança, incluindo espancamentos de manifestantes e transeuntes. “A organização também documentou agressões sexuais e outras formas de violência sexual baseada em gênero”.

Masih Alinejad é jornalista iraniana que vive nos Estados Unidos há oito anos. Quando vivia no Irã, criou um movimento contra a obrigatoriedade do véu e teve que deixar o país, ameaçada de morte. 

Mahsi Alinejad é jornalista iraniana baseada nos Estados Unidos. Tem sido referência sobre o assunto e bastante ativa nas redes sociais. Acompanhe o Twitter e Instagram da jornalista.

Para ela, “a obrigação de usar o hijab é como o Muro de Berlim. Estamos convencidos de que, se conseguirmos derrubar esse muro, a República Islâmica cairá com ele. E é por isso que as instituições estão tentando nos amordaçar. Qualquer coisa serve para abafar um grito que, se ressoar, pode varrer tudo em seu caminho”. 

Seu ativismo a coloca em risco mesmo em situação de exílio. Ela contou em entrevista à imprensa espanhola que “o FBI prendeu um homem com uma arma carregada à minha porta”, mas que não teme a morte se for preciso seguir denunciando as violações contra as mulheres no Irã.

Mahsa Amini existe em nós

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© Matt Hrac

© Matt Hrac

© Matt Hrac

Não sei para vocês, mas todas as vezes em que penso na revolução dessas mulheres iranianas e no que elas têm enfrentado, sofrendo com repressão, prisão e até a morte, ao mesmo tempo em que sinto as fagulhas da revolução, meu estômago também revira, não somente porque é revoltante e nos afeta visceralmente enquanto mulheres, mas também porque não sinto essa realidade nem um pouco longe de nosso chão.

Somente nesses quatro anos de Bolsonaro e de tantas manifestações de ódio contra mulheres, de misoginia e de fundamentalismo religioso, regadas a fanatismos e a conspirações alucinantes, pudemos sentir um pouco do que significa o peso do Estado munido de todos esses valores machistas sobre a vida das mulheres.

Aliás, Bolsonaro não expressou qualquer sinal de soldiariedade com a morte de Mahsa Amini e não manifestou até o momento repúdio ao massacre civil praticado pelo regime islâmico.

Mahmooni, citou a importância do posicionamento oficial dos governos ao redor do mundo e do que esperava das lideranças brasileiras. Infelizmente, pouca atenção foi dada por parte dessas representações.

A artista recebeu mais apoio de sua própria classe, formada por artistas e ativistas. Ela, que é cantora, artista e mulher, falou sobre o símbolo de luta das iranianas, o véu em chamas, objeto que pode parecer simples, mas que podemos manter em mente como elemento figurativo de nossas resistências. 

Ela disse que o “véu que agora o mundo vê queimando nas manifestações, não é algo superficial, é um símbolo do sofrimento da mulher, de um país cheio de regras rígidas para tirar a sua liberdade e controlar o seu pensamento”.

E penso que essa tensão que temos vivido em todo o mundo, em um momento de profunda crise que esmaga a todos nós que estamos na base, tende a colocar véus sobre tudo o que revoluciona ou se inconforma. Sejam direitos ou pessoas, em especial mulheres, LGBTQIA +, o povo pobre, preto, encarcerado.

Sabemos que a luta de classes é a luta de nossas vidas, e que é preciso estar sempre alerta, porque, como diz Angela Davis, “a liberdade é uma luta constante”. Mas, assim como considera Davis, como militante internacionalista que é, a liberdade da mulher e de todos os povos só será possível com a implosão desse sistema opressor a partir da luta classista e internacional.

Para que sejamos livres, é preciso derrubar os regimes totalitários, misóginos e opressores, no Irã e em tantos outros lugares ao redor do mundo. 

Sâmia Teixeira Sâmia Gabriela Teixeira é mãe de gêmeas e jornalista. Foi assessora da União Nacional Islâmica, onde criou o jornal Iqra. Atualmente integra a comunicação da CSP-Conlutas, escreve sobre movimentos sociais e mundo sindical internacional.

Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.

Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

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