A importância do cuidado em rede para mães e crianças

Escolhi não ter sido mãe e fui negligente ao não conviver como antes com minhas amigas que engravidaram.

28|05|2022

- Alterado em 03|06|2022

Por Redação

Quero tratar de um assunto que me rodeia e provoca em mim desconforto quando olho para as minhas amigas mães. Eu não tenho filhos, mas acompanho a vivência delas para dar conta da maternagem em uma sociedade que imputa apenas a essas mulheres o cuidado  com suas crias. Reflito e me questiono: será mesmo que essa responsabilidade é apenas delas? 

Nunca fiquei com os filhos das minhas amigas para que elas pudessem sair. Quando penso em estar mais próxima delas, dificilmente lembro de considerar criar ambientes em que suas crias possam estar também. Poderia tecer uma lista da minha inação para apoiar mães que por vezes se sentem solitárias. 

Quando pensamos em mães que criam seus filhos sozinha essa culpa vem ainda mais pesada. De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), no Brasil existem pelo menos 11 milhões de mulheres nessa situação. 

Estava conversando com uma amiga que é mãe, sobre a dificuldade que muitos de nós temos em lidar com pessoas que têm contextos de vida diferentes do nosso. Vivemos em bolhas e não nos provocamos para sair delas. Não buscamos entender realidades que não são nossas. Aplico isso quando falo também da escolha de não ter sido mãe e não conviver como antes com minhas amigas que engravidaram.

Tenho amigas que foram mães e o contato foi ficando mais espaçado até a conexão se perder. Eu sempre pensava que o afastamento era natural, já que a rotina muda depois da maternidade. Essa carapuça serviu por um tempo, mas não me cabe mais. Eu fui negligente e sei que poderia ter estado mais perto e ser mais acolhedora. 

Este despertar veio mais forte, após uma matéria que fiz para Nós, mulheres da periferia, sobre redes de apoio para mães nas periferias. A entrevista feita com a poeta e arte-educadora Priscila Obaci, mãe de  Melik e Bakari transformou meu jeito de enxergar o cuidado com as crianças, mesmo sem ter filhos. 

Priscila destacou a importância de uma rede de apoio para além da figura materna. A arte-educadora usou preceitos africanos para definir que o cuidado com as crianças é tarefa de todos.

 “Cada pessoa tem uma função e achamos que construir um ser humano, que é a coisa mais complexa do mundo, vamos conseguir com duas pessoas, isso quando estamos falando de um relacionamento padrão, mas, o que vemos, principalmente nas periferias, é uma mãe e no máximo uma avó carregando todas essas crianças sozinhas”, pontuou me fazendo enxergar que eu também sou responsável por esta tarefa. 

Quando penso que as crianças são o futuro e também são o presente e precisam de cuidado e proteção agora, cada dia aprendo que esta responsabilidade é de todos. O incômodo vem porque sei que tenho falhado e me eximido pelo fato de não ter vivido a maternidade. Eu, mulher sem filhos, não tenho atuado para acolher mães e crianças que estão próximas.

Reconheço que poderia ter sido rede de apoio de muitas delas. É recente minha reflexão e divido com você porque trazer à tona coisas que incomodam por aqui podem também te fazer pensar sobre a importância de toda a sociedade cuidar de crianças e consequentemente das mães, que estão sobrecarregadas. 

O artigo 227 da Constituição Federal estabeleceu, também, que a responsabilidade de garantir os direitos de crianças e adolescentes é compartilhada entre Estado, famílias e sociedade.

De acordo com a norma,” é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Isso significa dizer que todos somos responsáveis por todas as crianças e adolescentes.


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Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

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