Mulher yanomami

A crise yanomami só terá fim quando garimpeiros forem expulsos

A socióloga e ativista Avelin Kambiwá afirma que repercussão da situação vivida por yanomamis é surpresa para muitos brasileiros, mas já vem sendo denunciada há anos

Por Beatriz de Oliveira

27|01|2023

Alterado em 27|01|2023

“Queremos que você saiba que estamos com medo e muito preocupadas. Hoje a floresta está doente. Quando nossa floresta está doente, todos nós ficamos doentes”.

O trecho acima faz parte de carta pública feita por mulheres yanomamis para o presidente Lula. Divulgada no dia 12 de dezembro, dia da diplomação do mandatário, o texto pedia a retirada de garimpeiros de suas terras. A carta, produzida durante o 13º Encontro de Mulheres Yanomami, soma-se aos vários alertas feitos pelo povo yanomami sobre a situação grave que vivem.

“Nossas crianças estão morrendo por malária, desnutrição, pneumonia e até por infestação de vermes”, diz outro trecho do documento. A situação descrita ganhou repercussão nacional no último fim de semana, com imagens de crianças e idosos magros a ponto de ver o desenho de seus ossos.

Cerca de 570 crianças yanomami morreram por causas evitáveis durante os quatro anos de governo Bolsonaro, segundo dados da atual gestão. De acordo com o Ministério dos Povos Indígenas, 99 crianças yanomamis faleceram devido a atuação do garimpo ilegal na região da Terra Indígena (TI) Yanomami, maior terra índigena do Brasil, localizada ao extremo norte do país.

Os yanomamis vivem no norte do Brasil e no sul da Venezuela. Dados de 2014 indicam ao menos 665 aldeias desse povo indígena, que é dividido em quatro subgrupos com línguas próprias: yanomae, yanõmami, sanima e ninam. Em 2023, a Terra Indígena Yanomami completou 30 anos de demarcação e homologação, com quase 10 milhões de hectares, é a maior terra indígena do Brasil. O garimpo ilegal na região acontece desde a década de 1980, quando cerca de 40 mil garimpeiros invadiram o território.

Para Avelin Buniacá Kambiwá, que vive em Belo Horizonte (MG), é socióloga e especialista em gênero e raça, a divulgação de imagens dos yanomamis em situação de desnutrição é uma “exposição necessária”. É um choque de realidade para os brasileiros comuns que não estavam acostumados a acompanhar a pauta indígena que a gente já tem denunciado há anos”, afirma.

Com o aumento do garimpo ilegal na região, a população tem lidado com a contaminação dos rios, impossibilidade da pesca e da agricultura, doenças e fome. O conflito com o garimpo prejudica o funcionamento de unidades básicas de saúde, que por vezes, foram impedidas de atuar e até fechadas.

Avelin Kambiwá aponta que em todos os 30 anos de demarcação de suas terras, os yanomamis convivem com a invasão de garimpeiros, as quais aumentaram em quantidade e brutalidade ao longo dos anos. O relatório “Yanomami sob ataque: garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e Propostas para Combatê-lo”, feito pela Hutukara Associação Yanomami e Associação Wanasseduume Ye’kwana, descreve garimpeiros portando pistolas e fuzis, e com abordagens mais agressivas às comunidades.

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Avelin Kambiwá é socióloga e especialista em gênero e raça

©arquivo pessoal

De acordo com lideranças indígenas, a estimativa é que cerca de 20 mil garimpeiros atuem na TI Yanomami. Dados da organização MapBiomas apontam que em um ano a área de garimpo dentro da TI em Roraima aumentou 275%. O garimpo, extração de metais e pedras preciosas da natureza, é proibido em terras indígenas.

“Nós chegamos a essa situação pela negligência sistemática dos pedidos de socorro e pelo governo de quatro anos que orquestrou um genocídio contra aquele povo”, frisa.

Não faltaram pedidos de socorro. Em dois anos, o governo federal ignorou 21 ofícios enviados pela Hutukara Associação Yanomami, relatando conflitos com o garimpo que “no limite podem atingir a proporção de genocídio”, conforme revelou reportagem do The Intercept. Em nota pública, o Ministério Público Federal (MPF), atribuiu a crise de saúde e segurança alimentar dos yanomamis à omissão do Estado brasileiro.

Na cultura yanomami, quando alguém morre tudo que remete a pessoa deve ser apagado, para que seja feita a separação entre os vivos e os mortos. Por isso, nomes de falecidos não são mencionados e suas imagens não são circuladas. É necessário evitar pensar nos falecidos, para que consigam ser felizes em hutu mosi, o céu dos yanomamis. Como mostrou artigo do veículo Sumaúma, muitos yanomamis convivem com o risco de não alcançar o hutu mosi ao permitir que suas imagens sejam circuladas, denunciando o genicídio em seu território.

Além de ignorar os alertas, a última gestão do governo federal incentivou o garimpo ilegal e contribuiu para o cenário visto hoje na TI Yanomami. Em julho de 2020, por exemplo, acatando pedido de Damares Alves, ministra dos Direitos Humanos à época, o então presidente Jair Bolsonaro vetou envio de leitos de UTI, água potável e outros itens de combate à pandemia da Covid-19 para os yanomamis.

No dia 25 de janeiro, a Polícia Federal (PF) abriu inquérito para investigar se houve genocídio e omissão de socorro de agentes públicos aos yanomamis, à pedido do ministro da Justiça Flavio Dino. Em outra frente, o Ministério dos Direitos Humanos prepara relatório acerca de violações aos direitos do povo indígena em questão.

Além disso, também foi criado Centro de Operações de Emergências (COE) em Saúde Pública pelo Ministério da Saúde para lidar com a situação emergencial dos mais de 30 mil yanomamis que vivem na região. No dia 21 de janeiro, o presidente Lula e alguns ministros foram a Boa Vista (RR) e disse que a situação enfrentada pelos yanomamis é desumana.

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Presidente Lula anunciou ações emergenciais para a população Yanomami em Boa Vista (RR)

©Ricardo Stuckert/PR

Apesar de ver como necessárias as ações tomadas pelo governo federal em relaçaõ da crise, Avelin Kambiwá critica a falta de falas mais endurecidas sobre a expulsão de garimpeiros. Em resposta ao veículo Amazônia Real, Lula afirmou que o garimpo ilegal será excluído do território, mas não pode dizer “até quando”.

“A problemática só terá o fim quando forem expulsos os cerca de 20 mil garimpeiros que estão naquele território levando a morte, a doença, a violência sexual, o estupro, o genocídio e o terror”, frisa Avelin.

Em abril de 2022, uma menina yanomami de 12 anos foi estuprada e morta por garimpeiros do território. São muitos os relatos de violência sexual vividos por mulheres indígenas a partir de invasores; a situação tem carater histórico como mostramos na reportagem “A violência do garimpo contra meninas e mulheres indígenas no Brasil”.

“Com a expansão garimpeira a população brasileira perde diversidade, biodiversidade, respeito internacional e, mais do que tudo, uma grande parte da sua própria identidade e do seu pertencimento”, pontua Avelin.

Como ajudar?

A Central Única das Favelas (CUFA) e a Frente Nacional Antirracista lançaram campanha de doação direcionada a levar alimentação ao povo yanomami. É possível doar por meio pix doacoes@cufa.org.br ou vaquinha virtual.

O Conselho Indígena de Roraima (CIR) e a Hutukara Associação Yanomami também estão recebendo doações para apoiar as comunidades indígenas do território, as chaves pix são conselhodaf@gmail.com e 07.615.695/0001-65, respectivamente.

Outra forma de colaborar para o enfrentamento à crise vivida no território é se informar e compartilhar relatos sobre a realidade dos povos indígenas do país.

“É necessário um verdadeiro letramento racial com relação às temáticas indígenas que foram ignoradas por 520 anos”, afirma Avelin.

“Nós estamos pedindo socorro, não estamos pedindo tutela, estamos pedindo ajuda para reconstruir o que foi destruído em 520 anos. Mas nós temos total consciência da nossa capacidade”, finaliza.