Na Amazônia, lixo é invisibilidade e invisibilidade também é economia

A colunista Marcela Bonfim conta a história de profissionais catadores de resíduos sólidos em Porto Velho (RO). Eles solicitam estrutura básica de trabalho na zona de descarte da Lixeira Municipal.

23|08|2021

- Alterado em 18|09|2021

Por Redação

Cientes da importância de suas atividades para a economia, além do atendimento à tantas outras áreas, profissionais catadores de Porto Velho (RO), solicitam estrutura básica de trabalho na zona de descarte da Lixeira Municipal, localizada próximo ao Campus da Universidade Federal de Rondônia, BR 364, apontando a necessidade de maiores estímulos ao setor.

A categoria conta com cerca de 300 profissionais operantes, entre cadastrados e avulsos, ressaltando a necessidade de compreensão da sociedade quanto aos desafios e potenciais do setor; sobretudo na desconstrução da ideia de “lixo”, onde se multiplicam os estigmas enfrentados pela categoria à base da resistência e busca pela autoestima.

Isto é, parte da luta é requerer a construção e manutenção de um galpão, em condições de atender esses profissionais expostos aos intensos climas amazônicos, e aos exaustivos esforços exigidos pela profissão desde as ruas até o momento da separação na Lixeira, resguardando a dignidade desses profissionais “expostos “sol-a-sol, chuva-à-chuva, porque o lixo não para de chegar e, para nós isso é trabalho, é renda. Mas precisamos de condições”, argumenta Toni dos Santos Industrial, atual dirigente da Cooperativa Rondoniense de Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis, a Catanorte.

Já a segunda solicitação, que impacta diretamente na salubridade das atividades desses profissionais e na dinâmica do setor, é a implantação da rede pública de coleta seletiva. Nela,  a sociedade passa a ser conscientizada e estimulada a separar os próprios resíduos sólidos de forma a reduzir os impactos do seu consumo no momento do descarte desses materiais, com destino certo à Lixeira Municipal.

“A atividade de catador é econômica e social; gera emprego e renda para as pessoas como uma alternativa de trabalho; já a coleta seletiva é a potencialização e a dignificação deste trabalho, aumentando os resultados do setor, assim a renda, e a economia”,  avalia o dirigente da Cooperativa.

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Barracas improvisadas para armazenamento de materiais recolhidos. © Marcela Bonfim

Área de descarte da Lixeira Municipal de Porto Velho, Rondônia. © Marcela Bonfim

Região da Lixeira Municipal, tendas de proteção adaptadas pelos profissionais catadores. © Marcela Bonfim

Zona de descarte da Lixeira Municipal. © Marcela Bonfim

Zona de descarte da Lixeira Municipal. © Marcela Bonfim

Dependências da Cooperativa Catanorte, © Marcela Bonfim

Transporte da produção extraída da zona de descarte da Lixeira Municipal. © Marcela Bonfim

O setor da coleta e o meio ambiente

Ainda que de forma precária, o setor é responsável por retirar do meio ambiente, da cidade de Porto Velho e adjacências, cerca de 280 toneladas de resíduos sólidos ao mês, equivalente a 700 metros cúbicos de materiais recicláveis, retornados às linhas de produção como insumos; segundo dados fornecidos pela Cooperativa Catanorte.

Ou seja, a implantação da coleta seletiva, além de uma potente estratégia para a economia do setor, é também uma possível fonte de soluções para a Amazônia e seus contextos comunitários, uma vez que os altíssimos volumes da produção, vinculados ao indiscriminado consumo, e descarte desses resíduos como lixo; acentua cada vez mais os níveis da concentração de renda. Tudo a partir de uma ideia, que tem por fim, até hoje, inviabilizar parte da economia por meio da invisibilidade.

“A atividade de catador é econômica e social; gera emprego e renda para as pessoas como uma alternativa de trabalho; já a coleta seletiva é a potencialização e a dignificação deste trabalho, aumentando os resultados do setor, assim a renda, e a economia”

Segundo Rafael Christofoletti, professor do Departamento de Ciência da Educação da UNIR (Universidade Federal de Rondônia) e coordenador da Incubadora de Cooperativas Populares,  a implantação da Política Nacional de Resíduos Sólidos “foi um marco importante para a inclusão sócio produtiva dos catadores de materiais recicláveis, contudo, mais de dez anos depois, a maioria dos coletivos de catadores não são atendidos como é o caso de Porto Velho”.

No entanto, o professor reconhece e celebra o fortalecimento da categoria local, enfatizando a importância do envolvimento desses profissionais na conquistas dos próprios resultados, fazendo da Cooperativa Catanorte “uma referência como organização de catadores que cumprem um importante serviço ambiental a partir dos princípios da Economia Solidária, na autogestão e solidariedade para além da própria cooperativa”.

A Coleta Seletiva no Brasil

A própria noção de abrangência sofre uma grande variação na literatura dos indicadores nacionais. Segundo mapeamento da CEMPRE – Compromisso Empresarial para Reciclagem (2012), 14% dos municípios brasileiros possuem programas de coleta seletiva. Para o IBGE –  Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2012), esse percentual circula em 32%; diferindo também da ABRELPE – Associação Brasileira de Empresas de Limpeza (2012), que por sua vez defende o percentual de 60%, referente às cidades brasileiras que oferecem o serviço.

“O trabalho dos catadores impacta diretamente nos quantitativos de resíduos separados nos programas de coleta seletiva existentes no Brasil e deveria resultar em maior valorização da categoria e no recebimento de pagamentos por serviços ambientais urbanos”.

Fonte: “Coleta Seletiva no Brasil: um estudo sobre os indicadores do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNI” (2019).

Isto é uma variação entre 26 e 37%, em relação aos resultados, segundo aponta o artigo: “Coleta Seletiva no Brasil: um estudo sobre os indicadores do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNI” (2019), apresentado no 30º na ABES (2019);

Considerando a distribuição regional, conforme o mesmo relatório; dados de 2017; cerca de 44,6% dos municípios com coleta seletiva estão no Sudeste, 42,7% no Sul, 5,4% no Centro-Oeste, 5,3% no Nordeste e 2,0% na Região Norte.


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É economista e vive em Rondônia. Adquiriu uma câmera fotográfica e no lugar das ideias deu espaço a imagens de uma Amazônia afastada das mentes do lado de fora. Escreve sobre imaginários, imagem, negritude.

Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.

Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

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