Moara Silva: ‘Durante minha graduação eu escondia ser filha da Marina’
A advogada e professora Moara Silva, traçou sua vida e carreira no Direito e atualmente desenvolve pesquisas sobre o direito do trabalho e igualdade de gênero.
Por Mariana Oliveira
28|03|2023
Alterado em 19|05|2023
Decidida a cursar faculdade de Ciências Sociais para transformar as coisas ao seu redor, Moara Silva Vaz de Lima mudou de ideia e resolveu dar uma chance ao Direito, atendendo o desejo de seus pais. Mal sabia que nunca mais sairia da área. Durante o período da graduação, relata ter ocultado o máximo possível ser filha da atual Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Formou-se em direito no Centro de Ensino Unificado de Brasília (CEUB), em 2013, e foi aprovada no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), logo na primeira tentativa.
A professora e advogada priorizou fazer estágios públicos, porque tinham um processo seletivo com provas objetivas e dissertativas para ingresso. “É difícil ser filha de uma pessoa pública, porque você sempre vai ser conhecida como filha daquela pessoa, que alcança certos espaços não por mérito”.
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Com o próprio nome e carreira consolidados, hoje em dia, aos 33 anos, Moara não faz tanto esforço para ocultar seu vínculo com Marina.
“Minha advocacia e docência foram para lugares que me legitimam, isso me dá segurança. É uma honra ser filha da minha mãe”, conta.
Durante posse de Marina Silva como Ministra do Meio Ambiente, recebeu mensagens de colegas de trabalho surpresos ao tomarem ciência da filiação da companheira. “Na posse da minha mãe como ministra, ela discursou e falou com orgulho de mim. Recebi mensagens de advogados que estavam no grupo de trabalho perguntando que a Moara que ela tinha comentado era eu”.
Ela descobriu a paixão pelo Direito do Trabalho logo no primeiro semestre, ao conseguir um estágio no Núcleo de Práticas Jurídicas (NPJ), do Fórum Trabalhista em Brasília. “Passei em primeiro lugar para advogada trabalhista e comecei a atender trabalhadores que ganhavam até três salários mínimos e mulheres que tinham sido demitidas durante a gravidez”. Aprendeu o que pôde naquele espaço e depois conseguiu uma posição em um escritório de advocacia, em Brasília com o anseio de um salário melhor. Ali encontrou o primeiro entrave sexista.
“Foi na vida profissional que comecei a entender que era possível encontrar barreiras por ser mulher”.
Durante um processo seletivo que se candidatou, os recrutadores disseram que ela seria a primeira mulher contratada, porém seu comprometimento com o escritório foi questionado em razão do gênero. “No final da entrevista ele falou da minha aprovação, e me disse que mulher é sempre complicada, e estava dando um voto de confiança em mim, pois as mulheres namoram, se casam, têm filhos e deixam de lado o escritório. Ou se apaixonam, levam um fora, ficam deprimidas e não se dedicam ao escritório”, conta Moara. Foi uma conquista ter conseguido vaga, mas levou três dias para entender a violência que tinha vivido no recrutamento. Essa terrível experiência a estimulou para o desenvolvimento de sua dissertação de mestrado, intitulada “O Trabalho da Mulher no Ordenamento Jurídico Brasileiro: Perspectivas do Direito Trabalhista”, defendida em 2020 no Centro Universitário do Distrito Federal (UDF). “Foi aí que eu comecei a estudar gênero. Ministrei palestras e seminários para tratar questões de gênero no ambiente acadêmico, trazendo sempre essa perspectiva do ambiente de trabalho”.
Atualmente leciona na mesma universidade em que se formou, em suas aulas busca desenvolver perspectivas geralmente não mencionadas em aulas de formato tradicional.
“Meu aluno vai encontrar no livro a lei que proibia o trabalho noturno da mulher. Porém, na minha aula, vai perceber que a lei que proibiu o trabalho noturno da mulher até 35 anos. Apesar de ter uma função protetiva, ela reforça o papel de que a mulher nessa idade tem que estar em casa para cumprir suas funções reprodutivas”.
Embora a discussão de gênero tenha sido intensificada durante o mestrado, ela lembra demonstrar indícios desse incômodo desde a infância. Moara morou em Santos, litoral de São Paulo, com a avó Neide Júlio de Lima até os seis anos de idade, lá aprendeu tarefas domésticas logo cedo. “Para decepção da minha avó, não virei uma pessoa habilidosa do lar”, conta.
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Estudar assuntos relacionados à política, sempre foi comum para ela devido à rotina de trabalho da mãe. “Eu não quis ir para a área ambiental, não sei se conscientemente para tentar fugir da expectativa das pessoas, mas o Direito do Trabalho, apesar da minha mãe ter sido uma das fundadoras da CUT (Central Única dos Trabalhadores) é algo que me coloca no lugar diferente do dela, as questões de gênero também. Minha mãe nunca foi conhecida como militante”. Discutir gênero e feminismo não foi planejado devido a religião. Criada em um lar cristão, Moara estudou em um colégio confessional, até os 17 anos. “Fui para o colégio interno porque eu quis, porque minhas amigas da igreja estavam indo”. Diante desse ambiente, sentia alguns incômodos, mas não sabia a quem recorrer para tirar dúvidas e expor certos sentimentos. “Eu era moderninha demais, revoltada demais”.
A advogada se desvinculou da igreja Adventista na qual congregava, mas segue com sua fé, acreditando que essas pautas podem andar juntas. Hoje congrega em uma comunidade religiosa, liderada por um pastor cristão, mas que abre possibilidade de acrescentar valores socioculturais de forma plural. “Temos espaço para conversar, dialogar e fazer uma releitura da religião que crescemos. Eu não queria contribuir mais nem financeiramente nem intelectualmente em uma estrutura que reforçava ideias que eu não compartilhava”.