Quilombo da Parada doa cestas básicas em parceria com o Nós

Parte dos recursos da campanha de financiamento se reverte em cestas básicas para o espaço cultural, liderado por mulheres

Por Semayat S. Oliveira

29|11|2022

Alterado em 29|11|2022

Seguindo uma lista de nomes escritos em um caderno, Eliene Lima começa a ligar para quem vai receber a cesta de alimentos orgânicos. Aos poucos, mães e crianças chegam com sacolas entre os braços. Antes de levar a cesta, é preciso sentar para descansar após subir a ladeira que dá acesso ao Quilombo da Parada, na Parada de Taipas (zona norte de SP), em meio ao sol do horário de almoço. 

Com cumplicidade e bom humor, Eliene é uma das mulheres que zelam pelo quilombo, espaço que abriga o Instituto Esperança Garcia desde 2011. Desde então, é o único centro cultural dos arredores voltado para os jovens e mulheres. Abre as portas todos os domingos para atividades socioeducativas e também para entrega de cestas básicas para as famílias. 

Desde maio de 2021, o Nós, mulheres da periferia se uniu aos apoiadores do espaço, por meio de parceria com a Cooperativa Terra e Liberdade do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), para doar trimestralmente cestas de alimentos orgânicos, distribuídas para cerca de 20 famílias da região. A doação é feita com parte dos recursos obtidos via campanha de financiamento do Nós no Catarse

O público do Quilombo aumentou 

No dia 17 de novembro, acompanhamos mais uma remessa de entrega das cestas. Desde que iniciamos as doações, em 2021, a rotina do quilombo mudou muito. Hoje, as atividades voltaram a ser presenciais.

Em nossa visita anterior, as atividades ainda estavam suspensas em razão do isolamento social imposto pela pandemia da Covid-19. Diante de um cenário de crise econômica e social, o local se tornou um ponto de apoio às famílias da vizinhança com a entrega de cestas básicas, obtidas através de variados doadores. 

Maria de Lourdes Leite, conhecida como Dona Preta, é uma das pessoas beneficiadas e também auxilia na manutenção do quilombo. Ela percebe como mães e crianças se alegraram com o retorno às atividades presenciais. A turma até aumentou, agora contam com 30 crianças: “só não vem mais porque o espaço é pequeno”, afirma Dona Preta. 

Eliene Lima completa: “as mães estão gostando muito, porque para muitas é novidade, elas não sabiam do projeto”.

Aos domingos, essas dezenas de crianças e adolescentes da Parada de Taipas têm encontro marcado no Quilombo da Parada. Começa às 10h, com um café da manhã, seguido de um momento de leitura. Depois acontece uma aula, cada semana com uma professora diferente.

Já tiveram, por exemplo, aulas de dança, contação de histórias e grafite. Há algumas semanas, relata Dona Preta com um sorriso, receberam uma mulher que já foi rainha de bateria de uma escola de samba, as crianças ficaram eufóricas e fizeram muitas perguntas.

Equipamentos culturais nas periferias 

Voluntária no time Real Mirim, que disponibiliza treinos de futebol para jovens do bairro, Edileuza da Silva é crítica sobre a falta de opções culturais no território, aliada à situação de pobreza.

Edileuza conta que muitas vezes os garotos participam dos jogos com fome, por não ter dinheiro para comprar um lanche, há ainda aqueles que nem sequer conseguem comparecer aos campeonatos, por não conseguir pagar o valor do transporte.

“Teve um dia que o menino passou mal, eu perguntei porque e ele [disse]: ‘porque to com fome’”, lembra. 

Dona Preta também se preocupa com a escassez de espaços culturais na região. Principalmente durante as férias escolares, o lazer das crianças é ficar nas ruas do bairro. 

A dificuldade de acesso aos equipamentos públicos de cultura por pessoas que moram nas periferias foi a principal demanda manifestada nas Audiências Públicas externas realizadas pela Subcomissão de Cultura da Câmara Municipal de São Paulo na Cidade Tiradentes, Campo Limpo e Perus, conduzidas por Elaine Mineiro, do mandato coletivo Quilombo Periférico (PSOL). 

O problema não se restringe à capital paulista, é visível em todo o território brasileiro. Pesquisa de 2019 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostrou que cidadãos sem estudos ou que não completaram o ensino fundamental têm menos acesso a museus, teatros e cinemas do que aqueles com maior nível de escolaridade. A desigualdade também é de raça: enquanto 44% dos negros moravam em municípios sem cinema, para os brancos esse número era de 34,8%.

Na resistência para manter o Quilombo da Parada em funcionamento, Dona Preta e Eliene comemoram a renovação dos recursos vindos da Lei de Fomento à Cultura da Periferia, que apoia coletivos periféricos da cidade de São Paulo. Além disso, estão na expectativa de novidades para o projeto no próximo ano, como a intenção de oferecer atividades exclusivas para mulheres.