mesária à frente e homem votando em urna eletrônica

Tainah Pereira: ‘transição em eventual vitória Lula será tumultuada’

Para cientista política, eleição de mulheres negras e indígenas é um alento em meio ao fortalecimento do bolsonarismo no Congresso Nacional.

Por Beatriz de Oliveira

06|10|2022

Alterado em 07|10|2022

No último domingo (02) mais de 123 milhões de eleitores compareceram às urnas para votar nos cargos de presidente da República, governador, senador, deputado federal e estadual. Na disputa para a autoridade máxima do poder executivo, Luiz Inácio Lula da Silva obteve 48,43% dos votos válidos, enquanto Jair Bolsonaro ficou com 43,20%. O resultado foi mais apertado do que previam as pesquisas – levantamento do Datafolha, lançado no dia 1° de outubro, mencionava Lula com 50% dos votos e Bolsonaro com 36%.

A fim de ter uma análise sobre o resultado das eleições de 2022 e perspectivas para o segundo turno, o Nós, mulheres da periferia conversou com a internacionalista e mestre em Ciência Política Tainah Pereira. Segundo ela, as organizações do movimento negro estão agindo para colaborar com uma vitória do ex-presidente Lula no dia 30 de outubro.

Caso esse objetivo seja atingido, o caminho a ser percorrido nos quatro anos de mandato não será fácil. Tainah afirma que será preciso avançar de forma rápida e profunda na garantia de direitos à vida, segurança, saúde, educação, emprego e renda. “O povo urge por dignidade. Sem resultados expressivos logo no primeiro ano de mandato, os riscos de uma nova ruptura institucional são grandes”, diz a coordenadora política do movimento Mulheres Negras Decidem.

Além disso, os resultados do pleito de 2022 indicam um Congresso Nacional mais bolsonarista. O PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, elegeu 23 deputados federais, somando agora 99. Ex-ministros do governo garantiram vagas no Senado, como Damares Alves (Republicanos – DF), Sérgio Moro (União Brasil – PR), Tereza Cristina (PP – MS) e Marcos Pontes (PL -SP).

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Tainah Pereira é internacionalista e mestre em Ciência Política

©arquivo pessoal

Na análise da cientista, esse cenário representa uma ameaça para pautas caras às populações negras, indígenas e LGBTQIA+, indicando “não apenas dificuldade de avanço em novas agendas, mas perda de direitos já conquistados”, afirma.

Em contraponto, também houveram eleições de mulheres negras e indígenas. Pela primeira vez na história desta república, o Congresso Nacional terá duas deputadas trans: Erika Hilton (Psol-SP) e Duda Salabert (PDT-MG). A iniciativa Quilombo nos Parlamentos, que reuniu mais de 120 candidaturas comprometidas com a pauta antirracista, conseguiu eleger 26 representantes. Entre eles, 8 deputados federais, como Talíria Petrone (PSOL-RJ) e Carol Dartora (PT-PR).

Confira a entrevista completa.

Nós, mulheres da periferia – Com o resultado do primeiro turno das eleições 2022 vimos o Congresso Nacional se tornar mais bolsonarista. O que esse cenário pode significar para o avanço de pautas caras à população negra?

Tainah Pereira – O cenário é de preocupação. Não apenas porque tivemos a eleição de parlamentares ultraconservadores, mas também porque, com a predominância desse grupo no Senado, aumenta o risco de abertura de processos de impeachment contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), instância que tem decidido em favor de pautas importantes para mulheres, pessoas LGBTQIA+, negros e indígenas. Existe uma ameaça real de retrocesso de direitos para esses setores da sociedade, não apenas de dificuldade de avanço em novas agendas, mas de perda de direitos já conquistados.

Nós, mulheres da periferia – Essas eleições também foram marcadas pela vitória de algumas mulheres negras, trans e indígenas. É o caso de Erika Hilton e Sônia Guajajara, ambas deputadas federais por São Paulo. Pode comentar sobre isso?

Tainah Pereira – A chegada ao poder [Câmara dos Deputados] de duas mulheres trans [Erika Hilton e Duda Salabert] e duas mulheres indígenas [Célia Xakriabá e Sônia Guajajara] comprometidas com a agenda de defesa de direitos dos povos originários é um alento. A perspectiva de articulação entre esses mandatos, existe a possibilidade da consolidação de uma forte bancada defensora dos Direitos Humanos. Com o apoio da bancada feminina e negra, que cresceu, é claro.

Nós, mulheres da periferia – Como organizações do movimento negro devem se mobilizar até a chegada do segundo turno, no dia 30 de outubro?

Tainah Pereira – As mobilizações estão muito concentradas em garantir a vitória do candidato que melhor expressa as aspirações dos setores mais progressistas, no caso, o Lula. Lideranças de diferentes partidos estão trabalhando para reorganizar suas bases em torno das campanhas majoritárias para a presidência e, em alguns estados, onde ainda existe a possibilidade de vitória de candidatas e candidatos do campo da esquerda. Além disso, começam também as conversas sobre composição dos mandatos e sobre como será o acompanhamento e fortalecimento das pessoas negras eleitas para a próxima legislatura.

Nós, mulheres da periferia – O que podemos esperar da reação de Jair Bolsonaro e de seus seguidores mais fiéis, em caso de vitória do ex-presidente Lula?

Tainah Pereira – Já existe um movimento de contestação em relação às pesquisas eleitorais, mas não acredito em uma contestação das urnas. Os meses de transição em uma eventual vitória de Lula serão tumultuados, com muito ruído e tentativa de boicote de acordos, ainda que protocolares, do governo federal com os estados. Será particularmente desgastante estabelecer essas pontes, indispensáveis para a governabilidade e para a execução das políticas públicas, maior interesse das cidadãs e cidadãos.

Nós, mulheres da periferia – Ainda pensando numa eventual eleição de Lula, o cenário a ser enfrentado não é simples. Quais devem ser as principais preocupações e os maiores obstáculos para o novo governo?

Tainah Pereira – É indispensável que um futuro governo Lula garanta às lideranças progressistas espaço em seu gabinete ministerial. Sem um profundo enraizamento nos territórios, dificilmente será possível reverter os danos dos últimos quatro anos. Isto em um cenário em que é preciso avançar ainda mais rápida e profundamente na direção da garantia de direitos fundamentais como o direito à vida, segurança, saúde, educação, emprego e renda. O povo urge por dignidade e, sem resultados expressivos logo no primeiro ano de mandato, os riscos de uma nova ruptura institucional são grandes.