Ateliê Xongani: Empreendedorismo de mãe e filha na periferia

Fotos: Semayat Oliveira Por origem, a região já pertence a suas histórias. Cris Mendonça, 57, é a fundadora Xongani, existente há 6 anos, e nasceu na mesma rua onde recentemente lançou o novo ateliê, junto com a filha e sócia Ana Paula Mendonça, 26, que somou forças com a mãe dois anos após a criação […]

Por Semayat S. Oliveira

23|03|2015

Alterado em 23|03|2015

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As empreendedoras Ana Paula e Cris Mendonça.


Fotos: Semayat Oliveira
Por origem, a região já pertence a suas histórias. Cris Mendonça, 57, é a fundadora Xongani, existente há 6 anos, e nasceu na mesma rua onde recentemente lançou o novo ateliê, junto com a filha e sócia Ana Paula Mendonça, 26, que somou forças com a mãe dois anos após a criação da marca. O novo espaço fica na zona leste de São Paulo, em Arthur Alvim (R. Ines Monteiro 131 – Artur Alvim). É um ponto de África em um dos extremos da capital paulista, onde mulheres e homens de todas as regiões podem encontrar roupas e acessórios para africanizar seus dias. Além de itens para uso pessoal, lançam a linha “Xongani Casa”, para decoração dos lares.
Com uma construção baseada no esforço familiar, antes, usavam a estrutura da parte de trás da casa da mãe de Cris e avó de Ana Paula. Agora, conquistaram uma casa inteira dedicada para Xongani! Cris é empresária e responsável pela produção, criação e confecção das peças. Ana Paula também é empresaria, designer e responsável pela marca e a estética dos produtos. No dia do lançamento, último dia 15 de março, via-se pai, irmão, tias, avó e as duas empreendedoras correndo de um lado do outro para atender e recepcionar os convidados.
Durante a entrevista ao Nós, mulheres da periferia, Cris contou com que, pra ela, a coletividade é imprescindível para superar desafios e construir sonhos, “conquistar sozinho é muito ruim”. No caso dela, a família sempre esteve na linha de frente dos seus projetos. “Eu não sei pensar em vida sem família! Por sorte, criei uma sociedade com a minha filha, mas tem a minha mãe que sempre esteve comigo, minhas irmãs e todos os meus. Isso é muito bom”.
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A pequena Ayoluwa, de 1ano.


Quando a possibilidade de expansão chegou, ficar na zona leste era premissa. “Fui bem firme com Ana Paula: ‘Tem que ser na zona leste’. Eu não sei, vou fazer a minha geografia aqui… Acho que estamos no meio da zona leste. Temos muitos bairros antes e depois daqui. Estamos em um divisor, no centro da periferia leste. Arthur Alvim acaba sendo um eixo e estamos ao lado do metrô, o acesso é muito fácil.”
Nem foi preciso insistir com a sócia. Os planos de Ana Paula é expandir a ideia de funcionamento do ateliê. Ultrapassar o objetivo de ser um lugar para trabalho e recebimento de clientes para compor uma atmosfera de encontro de amigos e de convergência com outros produtores e criadores negros.
A revenda de outras marcas e de livros já começou! Há também um espaço reservados para cabeleireiras e trançadeiras interessadas em atuar na zona leste, além da expectativa de legitimar o ambiente como ponto cultural para a realização de encontros e saraus. A transformação do território é um dos objetivos.
“Esse espaço é da Xongani, mas esse espaço é nosso! Estamos aqui pra somar. A gente escolheu estar na periferia pra trabalhar o território mesmo, para descentralizar um pouco a cultura afro-brasileira e trazer as pessoas pra zona leste. Eu descobri, nos últimos tempos, que a zona leste produz muito e produz muita coisa boa. E estamos na área do nosso público alvo. Nós já estávamos aqui, é o lugar onde nos sentimos confortável, e também não queríamos deixar as pessoas que ajudaram a gente nesse crescimento”, contou Ana Paula.
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O ateliê tem o cantinho da pequena.


Daqui pra frente, o objetivo é crescer cada vez mais. Tornarem-se empreendedoras trouxe a elas uma qualidade de vida maior. Mesmo com um alto volume de trabalho, conseguiram consolidar o ambiente profissional na mesma região onde moram, evitando horas no transporte público, são as responsáveis por suas remunerações e têm a liberdade de decidirem como usarão o tempo. Ayoluwa, filha de Ana Paula, com apenas 1 ano, pode tranquilamente ir trabalhar com sua mãe, se for preciso. Aliás, o projeto do novo ateliê já tem o cantinho da pequena.
E para além da saúde do dia a dia, fica o crescimento familiar. São duas mulheres negras, porretas, empresárias e periféricas mudando o patamar de autonomia financeira de suas famílias. E quando perguntamos para Cris como é pra ela ter começado tudo isso, a resposta foi essa aqui: “Às vezes, eu também fico me perguntando com foi tudo isso, porque eu não tinha nada programado. Cada dia a demanda nos impulsionava a fazer mais alguma coisa e chegamos aqui. Hoje, ter esse espaço estimula muito a já pensarmos em outro, maior. Eu gosto muito dessa coisa de cada dia nos lançar outro desafio.”
Confira a opinião de quem foi ao lançamento:
Christiane Gomes, jornalista e integrante do conselho editorial da revista Omenelick 2º ato
“É fundamental quebrar fronteiras e ter esse espaço fora do eixo centro e zona oeste (*onde fica a Vila Madalena), para que as pessoas que são da região, as mulheres aqui da zona leste, tenham essa referência e encontrem opções para a construção de sua beleza, identidade e questões políticas também. Eu fico tão feliz quando lembro que elas começaram com um stand pequeno e que foram crescendo e inovando. Elas conseguiram, a partir disso, se organizarem de um jeito que prosperasse e inspirasse outras pessoas a trilharem esse caminho. Chegar aqui e ver esse espaço grande, ocupado majoritariamente por muitas mulheres é muito bonito. Elas estão fazendo história e ainda bem que estamos aqui pra ver isso acontecer.”
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Festa de lançamento.


Maria José, bióloga e ativista política
É uma alegria estar nesse espaço de empreendedorismo negro. As empresas negras têm uma característica muito importante: geralmente as mulheres são as grandes gerentes e o trabalho tem uma remuneração justa. Você não vê trabalho escravo, não vê exploração nessas peças de roupa, na linha produtiva das empresas. Você vê que são feitas com a produção familiar e de pessoas próxima, promovendo o empoderamento das pessoas do entorno. Isso é fundamental. A autonomia financeira é importantíssima para avançarmos na luta anti-racista.
Ana Koteban, dançarina, educadora e integrante do Coletivo Koteban
Conquistar espaços próprios na periferia tem uma importância muito grande. Pra nós não é novidade que a maior população negra está concentrada na periferia, mas temos poucos espaços construídos por nós mesmos e para nós, com o objetivo de dar visibilidade ao nosso jeito de ver o mundo, a nossa estética. A gente mesmo – do coletivo Koteban – estamos trabalhando para isso há 10 anos, coma a perspectiva do empoderamento, da busca das raízes e da nossa identidade negra. Ficamos super felizes de ver duas mulheres conquistando esse espaço, nos realizamos juntas e esse é um sinal maravilhoso: o sinal de que novos tempos estão a caminho.
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Festa de lançamento.