mulher olha para árvore

Um dia numa ocupação do MST na cidade de São Paulo

Em reação a ataques feitos na CPI do MST, movimento quer mostrar à população o que realmente acontece nos assentamentos

Por Beatriz de Oliveira

21|06|2023

Alterado em 21|06|2023

“As bandeiras empunhadas pelo MST são bandeiras comuns, por alimentação e por saúde”. A declaração da liderança Maria Alves ecoa a perspectiva daqueles que atuam no movimento que luta por reforma agrária, apesar de serem vistos como criminosos por parte da sociedade. Essa afirmação ganha ainda mais sentido tendo em vista o contexto da CPI do MST.

De acordo com Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64), a reforma agrária é o conjunto de medidas que visam a melhor distribuição da terra, a fim de promover justiça social e o aumento de produtividade. A produção de alimentos básicos, o combate à fome e à pobreza, e a diversificação de serviços no meio rural estão entre os benefícios da reforma agrária.

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada para investigar as ocupações de terra realizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) teve início no dia 17 de março. Esta é a quinta CPI de que o movimento é alvo, sendo a primeira em 2003. Com uma composição formada por bolsonaristas, a comissão tem se mostrado um espaço para palanque político e para a criminalização do movimento. O relator, por exemplo, é o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, denunciado por uma série de crimes ambientais.

Presente em todo o território nacional, o MST reúne trabalhadores em busca da reforma agrária, contando atualmente com 450 mil famílias assentadas. Nos assentamentos, são produzidos itens como arroz, leite, carne, café, cacau, sementes, mandioca, cana-de-açúcar e grãos. Vale citar que o MST é o maior produtor de arroz orgânico da América Latina.

“Quando um grupo sem terra é atacado, toda classe trabalhadora é atacada”, afirmou Maria Alves para um grupo de cerca de 50 pessoas que visitava a ocupação Comuna da Terra Irmã Alberta no dia 4 de junho. A ação fazia parte da Jornada de Vivências no MST, que convidou a sociedade a visitar assentamentos de todo país com o objetivo de mostrar o que o movimento realmente faz, ou seja, a produção de alimentos saudáveis e a defesa da democratização da terra.

Entre o público que visitou o acampamento naquele domingo, havia pessoas de diferentes gerações. Desde crianças, incentivadas pelos pais a conhecer de onde vem o alimento que comem, até idosos, que há tempos vivenciavam a luta do MST. A recepção foi boa: um café da manhã com direito a mandioca, manga e mexerica, além de um almoço farto.

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A Comuna da Terra Irmã Alberta é a única ocupação do MST na cidade de São Paulo. © Beatriz de Oliveira

A Jornada de Vivências no MST convidou a sociedade a visitar assentamentos de todo país © Beatriz de Oliveira

Entre o público que visitou o acampamento naquele domingo, havia pessoas de diferentes gerações © Beatriz de Oliveira

Cerca de 50 pessoas visitaram a ocupação Comuna da Terra Irmã Alberta no dia 4 de junho © Beatriz de Oliveira

Casa de Dona Nice © Beatriz de Oliveira

Horta de Dona Nice © Beatriz de Oliveira

“Feliz” foi a palavra escolhida pela bióloga Ana Beatriz Barros ao descrever como se sentia ao visitar pela primeira vez um assentamento do MST. “Quando compramos alimentos no mercado, no máximo sabemos que o caminhoneiro os deixa ou no CEAGESP [Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo], e ainda há a questão do agrotóxico. Então, estar aqui contribui de muitas formas, não só para o bem-estar alimentar, mas para entender o que se passa no país, pois isso é um retrato do que ocorre em muitos outros estados.  Passamos a entender um pouco mais as manchetes dos jornais sobre reforma agrária e MST”, relata. 

Mulher negra sorrindo

Ana Beatriz Barros é bióloga

©Beatriz de Oliveira

A Comuna da Terra Irmã Alberta é a única ocupação do MST na cidade de São Paulo. A área foi ocupada há 21 anos em uma terra improdutiva pertencente à Companhia de Águas do Estado de São Paulo (SABESP), que estava destinada a se tornar um lixão. Desde então, os moradores reivindicam que a ocupação seja regularizada e reconhecida como assentamento pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Atualmente 50 famílias vivem e plantam no território localizado na zona noroeste da capital paulista. Entre elas está a Dona Nice, que mora lá desde o início da ocupação e afirma que a decisão de aderir ao movimento não foi apenas para obter moradia, mas sim pela luta pela reforma agrária. Ela conta que tinha residência em Perus, também na zona noroeste, mas gostou da proposta da ocupação de produzir alimentos orgânicos, pois já tinha conhecimento dos malefícios de agrotóxicos, pois já havia usado esses produtos quando trabalhou em plantações na juventude.

Como alguém que vive em prol dessa luta, Dona Nice explica o significado da reforma agrária: “É uma área de terra na qual você pode plantar e sobreviver com aquilo que cultivou. Em outras terras que pertencem aos latifundiários, você precisa arrendar uma terra e, o que eu colher, tenho que pagar uma porcentagem para o dono da terra. Na reforma agrária não é assim”.

Idosa sentada em sofá

Dona Nice vive na ocupação Comuna da Terra Irmã Alberta

©Beatriz de Oliveira

Desde 2016, os alimentos produzidos na Comuna da Terra Irmã Alberta são destinados às cestas de orgânicos comercializadas pela Cooperativa Terra e Liberdade. A cada duas semanas, a organização realiza a entrega das cestas em diferentes pontos da cidade de São Paulo. A ocupação também negocia a venda de produtos para escolas públicas da região.

Maria Alves explica que a ocupação funciona em sistemas de comunas, interligando campo e cidade. “No sistema de comuna, não há propriedade privada. Trabalha-se coletivamente dentro de uma organização que chamamos de campo-cidade. Aqui, podemos ver nitidamente a reforma agrária popular. Nós geramos renda, cultivamos diferentes culturas, cuidamos do meio ambiente, da educação e da saúde”.

Mulher sentada

Maria Alves é liderança do MST

©Beatriz de Oliveira

Para ela, a aproximação de pessoas que não conhecem o MST é uma forma de fortalecer o movimento. “Não estamos sozinhos. O movimento sempre soube que tem que estar junto com os trabalhadores da cidade e com vários setores da sociedade para avançar”, afirma.