STF, libera meu xixi: campanha quer que STF julgue uso de banheiros por trans

Colunista Victória Dandara aponta que a discriminação contra a identidade de gênero gera profundos efeitos psicológicos em pessoas trans

13|09|2023

- Alterado em 13|09|2023

Por Redação

Nossa Constituição estabelece o direito à igualdade e ao respeito à dignidade humana. Também coloca como princípio norteador e estruturante da República a erradicação de todas as formas de discriminação. No entanto, o que se encontra escrito no texto constitucional, infelizmente, está longe de ser uma realidade, pois, se fosse, não teríamos uma ação tramitando no Supremo Tribunal Federal há mais de oito anos com o objetivo meramente de afirmar que pessoas trans podem usar banheiros públicos sem serem violadas.

O caso em questão se refere ao Recurso Extraordinário 845.779, apresentado após uma mulher trans ser expulsa de um banheiro feminino em um shopping em Santa Catarina no ano de 2014. O Tribunal competente entendeu que não caberia dano moral nessa situação, pois considerou ser um “mero dissabor”. Essa expressão, frequentemente utilizada em decisões judiciais, significa que o fato ocorrido pode ter gerado uma frustração, mas não representa um dano psicológico suficiente para justificar uma indenização. Não vou entrar no mérito das discussões sobre reparações em casos de direitos humanos, pois isso renderia um debate à parte. O que desejo questionar é quanto tempo mais vai demorar para o judiciário compreender e reconhecer a gravidade da transfobia a nível individual e coletivo?

A discriminação contra a identidade de gênero gera profundos efeitos psicológicos e afeta a saúde mental das pessoas trans. De acordo com o Instituto Cactus e o Atlas Intel, em um estudo que desenvolve um índice da saúde mental no país, a população transgênera apresentou uma das pontuações mais baixas entre todos os grupos demográficos, com 445 pontos, em comparação com os 638 pontos do grupo cisgênero. Essa discrepância é apenas um dos indicadores do impacto da transfobia na saúde mental dessa comunidade. Além disso, essa violência não abala apenas as subjetividades no nível individual, mas também, e principalmente, transmite uma mensagem coletiva: pessoas trans no Brasil não são bem-vindas e discriminá-las é aceitável. Portanto, ainda é necessário uma repreensão jurídica e legislativa sobre a transfobia.

À medida que nossos magistrados ainda entendem que uma pessoa ser impedida de fazer suas necessidades fisiológicas básicas em um espaço público é um “mero dissabor”, e nosso STF se exime de manifestar sobre essa matéria com uma morosidade de quase 10 anos, temos a conivência e validação dessas violências. Em outras palavras, a omissão do Supremo nesta pauta chancela o pacto de cisgeneridade que aniquila e marginaliza a população trans. Lembremos que vivemos no país com o maior índice de assassinatos de travestis e transexuais do mundo, onde nossa expectativa de vida é de apenas 35 anos.

Victória Dandara é travesti, cria da zona leste de São Paulo (SP), pesquisadora em direitos humanos, advogada transfeminista e filha de Oyá. Foi uma das primeiras travestis a se graduar em direito na USP e hoje luta não só pela inclusão da população trans e travesti, mas por uma emancipação coletiva a partir da periferia e da favela.

Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.

Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

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