Solteirice: liberdade ou solidão?

Com a ajuda de bell hooks e Ana Suy, orgulhosamente compartilho com vocês algumas experiências e aprendizados desses meus pelo menos 20 anos de carreira solo

15|08|2023

- Alterado em 15|08|2023

Por Amanda Stabile

A primeira vez que me apaixonei eu tinha cinco anos de idade e fazia a pré-escola. Ele tinha olhos verdes e pelo menos 10 centímetros a mais. Aos oito anos surgiu a segunda paixão, era um colega de classe na terceira série. Meu ônibus passava em frente a casa dele e eu sempre olhava para ver se ele estaria na janela.

Desde então, eu não parei mais. Orgulhosamente, acumulo pelo menos 20 anos nessa indústria vital de me apaixonar a cada esquina. Para aqueles que, assim como eu, são fãs do zodíaco, eu tenho sol, lua, vênus e marte no signo de câncer. Ou seja, a minha vida é plenamente guiada pelas emoções, sem nem um pezinho na racionalidade, e eu culpo as estrelas.

Porém, surpreendendo aquela Amandinha de cinco anos, todo esse tempo eu tenho sido carreira solo. Isso não significa que eu nunca tenha vivido um romance, pelo contrário. A solteirice tem me proporcionado bastante emoção e é por isso que eu gostaria de compartilhar algumas experiências e aprendizados desses meus 25 anos.

A escritora e ativista estadunidense bell hooks inicia o livro Tudo Sobre Amor com uma confissão: “quando eu era criança, tinha certeza de que não valia a pena viver se não conhecêssemos o amor”. E, assim como ela, muitas das nossas convicções sobre esse sentimento são plantadas na infância.

Essa sementinha é regada por como somos amados e cuidados, pelos desenhos que assistimos e até pelos casais que temos de referência à nossa volta. Citando a psicanalista brasileira Ana Suy, “ser recebido na vida com amor é uma questão de vida ou morte para o ser humano” – e aqui em um sentido literal.

Eu não sei da experiência de vocês, mas, na minha, tudo mostrava que não nascemos para existir sozinhos. E qual não foi a minha surpresa ao chegar na adolescência e nenhum príncipe encantado ter esbarrado em mim e ter me ajudado a pegar meus livros no corredor da escola.

Esse foi um período em que eu tive certeza que tinha algo errado comigo e que eu estava completamente atrasada para o início da minha vida. Sim, eu acreditava que só começaria a viver quando existisse para o outro. Isso não faz sentido e, obviamente, eu não fazia ideia disso na época.

Uma coisa que ninguém nos conta é que nascemos e morremos sozinhos, o lance da vida é preencher o meio do caminho com aqueles que queremos por perto. E eu uso o plural porque acredito que seria muita ambição acreditar que vamos ser supridos pelo amor de uma única pessoa do começo ao fim da vida.

Aliás, estarmos sozinhos, às vezes, é muito melhor do que nos relacionarmos com alguém apenas para ter o título de quem já viveu essa experiência, como uma condecoração de escoteiro. Aposto que você já ouviu relatos de pessoas que namoraram na adolescência e depois disseram que queriam ter evitado esse evento canônico.

Um dos meus livros favoritos, O paraíso são os outros, de Valter Hugo Mãe, fala muito sobre essa concepção infantil do que é o amor. Uma versão idealizada que nos dá a esperança de que vamos encontrar apenas um par para a vida inteira. “Eu fui bem avisada: a pessoa que um dia amarei haverá de estar em algum lugar entretida com a sua vida, como eu. Não a conheço ainda”, diz um dos trechos.

Apesar de lindo e poético, se eu acreditasse nisso seria uma solteira infeliz. É como nos princípios dos contos de fadas ou dos filmes de romance em que a vida da mocinha só se transforma ao encontrar o seu par. Depois o filme acaba e ficamos sem saber dos percalços enfrentados para um relacionamento feliz.

Ou seja: quem inventou que existe “O amor da vida” fez um desserviço gigante para a humanidade. O autor dessa pérola esqueceu de deixar as respostas para um monte de questionamentos. Deveríamos insistir em relacionamentos insustentáveis só para não quebrar a esperança de encontrar essa entidade? Ele mesmo encontrou O amor da própria vida?

Dito isso, segue o compilado de alguns aprendizados que podem amenizar o seu coração de solteira: nós nunca estamos atrasados para a nossa própria vida, independente das convenções sociais; essa é a nossa primeira vez vivendo a vida, então está tudo bem se envolver com as pessoas “erradas” enquanto não encontramos aquela com quem teremos um relacionamento duradouro; a gente não precisa esperar o final do filme para ser feliz, para a vida fazer sentido, a ideia é se divertir no meio do caminho.

Se você chegou até aqui esperando uma resposta para o título do artigo, sinto muito, eu só faço as perguntas. Te sugiro uma leitura mais teórica, como do livro “Tudo sobre amor”, da bell hooks, que pautou algumas reflexões desse texto, ou o livro “A gente mira no amor e acerta na solidão”, da Ana Suy.

Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

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