Só homens de direita fazem as mulheres chorarem?

Na esquerda, há aqueles que tentam esconder todo o seu sexismo atrás de camadas – às vezes até muito finas – de ideias progressistas. Com esses, também é preciso tomar cuidado

30|03|2023

- Alterado em 01|04|2023

Por Amanda Stabile

Eu não sei se o mundo sempre foi assim ou se eu só fui prestar atenção recentemente, mas em toda a minha vida adulta – não muito, cerca de meia década –, saber a orientação política das pessoas com quem eu e minhas amigas nos relacionamos tem sido algo mais importante até do que saber o nome. Especialmente quando diz respeito a homens.

E não é uma questão de discriminação, mas de segurança: nossa prioridade é sempre voltar vivas e, de preferência, com nossos sentimentos inteiros para casa.

E o que temos visto com mais frequência, em relação à orientação política e masculinidades, é um desfile de homens de direita, que defendem a família e os bons costumes em público, mas que no privado agridem e ameaçam aos que deveriam cuidar.

Como não se preocupar se aqueles de quem beijamos a boca apoiam um político que, logo no começo de seu mandato como presidente, disse que, após ter quatro filhos homens, disse que “deu uma fraquejada” e “veio uma mulher”. Ou que faz parte do mesmo fã clube do homem que invadiu uma festa de aniversário e matou um homem que apoiava um político “rival” ao seu?

Mas, infelizmente, na vida real um misógino – alguém que odeia as mulheres – não aparece nas nossas vidas embrulhado em uma bandeira do Brasil, ou em um terno xadrez bebendo seu campari, para nos alertar sobre os perigos que estamos correndo. Muitos até surgem segurando uma breja, com as unhas pintadas e vestindo o boné de algum movimento social.

A esses, que tentam esconder todo o seu sexismo atrás de camadas – às vezes até muito finas – de ideias consideradas esquerdistas, há um termo para denominar: esquerdomachos. E, sim, isso pode ser considerado um insulto aos homens que defendem causas progressistas, mas tratam mulheres como lixo.

Em um artigo para a Vice, a jornalista neozelandesa Sasha Borissenko conta sua experiência e classifica os esquerdomachos em dois tipos: “o tipo um usa seus valores progressistas exteriores para atrair mulheres, principalmente no reino público das redes sociais, enquanto mantém secretamente valores não tão igualitários assim”, explica. 

“O tipo dois vê as mulheres como objetos dispensáveis e as tratam mal para esconder suas inseguranças. Fingindo para o mundo, e até para eles mesmos, que querem libertar os oprimidos do mundo, eles ganham uma reputação angelical enquanto continuam confortáveis nas estruturas dominantes do patriarcado”, continua.

De onde os “esquerdomachos” surgiram?

Não se sabe quem foi a primeira pessoa brasileira a utilizar o termo “esquerdomacho”, mas esse é um fenômeno que atravessa as fronteiras do nosso país. As especulações são de que ele tenha sido derivado de termos em inglês usados para denominar sujeitos parecidos, como “brocialist” (relacionado ao socialismo) ou “manarchist” (relacionado ao anarquismo).

E como explica o criador de “brocialist”, essas palavras não devem significar que os homens atrelados a esses movimentos são mais sexistas do que o resto da sociedade. Os termos são apenas piadas para denunciar que eles existem, apesar de levantarem essas bandeiras.

Sabendo ou não da existência da palavra “esquerdomacho”, se você também tomasse cuidado para se relacionar apenas com pessoas com certa consciência social e mesmo assim tivesse contato com homens que reproduzem discursos completamente machistas, com certeza iria perceber que há algo errado. E, não, você não tem um dedo podre para isso.

O mais sorrateiro é que, assim como em relacionamentos tóxicos, essas violências não são prenunciadas de cara. Esses caras juram de pé junto seu amor às mulheres e às causas feministas, cheios de lábia para manter a fachada de bons moços. Depois que conseguem o que querem – muitas vezes apenas comer e abandonar – sua opinião sobre eles não importa mais.

Durante o Big Brother Brasil 22, Maria definiu um pouco a forma como os esquerdomachos agem: “É aquele que é sempre muito assim: ‘Ai, eu amo as mulheres, não sei o quê, adoro fazer um nu artístico’. É aquele cara que: ‘não sou machista, adoro as mulheres’. Tudo para comer elas. Esse é o estereótipo. ‘Ai, adoro Carlos Drummond de Andrade’”.

Homens amam homens, apenas transam com mulheres

E é importante pontuar que: transar com mulheres é diferente de amar as mulheres. Em artigo no Portal Catarinas, Camila Rufato Duarte, advogada e cofundadora do Direito Dela, relembra o pensamento da filósofa e pesquisadora estadunidense Marilyn Frye sobre o fato de a cultura heterossexual masculina ser homoafetiva.

“Dizer que um homem é heterossexual implica somente no fato de que ele mantém relações sexuais exclusivamente com o sexo oposto, ou seja, mulheres. Tudo ou quase tudo que diz respeito ao amor, a maioria dos homens heterossexuais reservam exclusivamente para outros homens”, escreveu Frye no livro “Políticas da Realidade: Ensaios sobre Teoria Feminista”.

“As pessoas que eles admiram, respeitam, adoram, reverenciam, a quem honram, imitam, idolatram e formam profundos vínculos, a quem estão dispostos a ensinar e com quem estão dispostos a aprender, e cujo respeito, admiração, reconhecimento, honra, reverência e amor eles desejam, essas são, esmagadoramente, outros homens. Nas suas relações com as mulheres, o que passa por respeito é bondade, generosidade ou paternalismo, o que passa por honra é a remoção do pedestal. Das mulheres querem devoção, serviço e sexo”, apontou a filósofa.

Então, caso o “homem perfeito”, que limpava e cozinhava porque não era preso a papéis de gênero, tenha ido embora da sua vida de repente, não se culpe, agradeça. Esse cara, que com certeza andava de bicicleta por se preocupar com a saúde do planeta, talvez estivesse mais apaixonado pelo próprio ego do que propriamente por você.

Calma, esse artigo não é para ninguém perder a esperança de que vá encontrar amor e engajamento político na mesma pessoa. É apenas para abrir os nossos olhos para entender que as diversas interseccionalidades que perpassam ser mulher também afetam essa área da nossa vida. E digo novamente: o problema não está em nós.


Curiosidade: a imagem de destaque nesse texto é da série “Todas as mulheres do mundo”, da Globo. Nela, Emílio, o personagem principal, é um clássico esquerdomacho que acha que ama “todas as mulheres do mundo”, mas apenas confunde esse sentimento com tesão. Assista caso você tenha interesse em ver um esquerdomacho em ação.

Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

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