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Série ‘Histórias Impossíveis’ trata de raça e gênero em suspense na TV

Três roteiristas negras assinam roteiro da série ‘Falas Femininas - Histórias Impossíveis’ estreia segunda-feira (6) na TV Globo.

Por Beatriz de Oliveira

03|03|2023

Alterado em 03|03|2023

“É importante ter roteiristas e criadoras negras em todos os projetos, falando de todas as pessoas”. A afirmação é da cineasta Renata Martins, que junto a outras duas roteiristas negras, Grace Passô e Jaqueline Souza, assina a série “Falas Femininas – Histórias Impossíveis”, que estreia segunda-feira (6) na TV Globo.

A série trata de questões de gênero e raça a partir da perspectiva de mulheres. São cinco episódios que vão ao ar ao longo do ano em datas que remetem aos temas abordados: Dia dos Povos Indígenas, Dia do Orgulho LGBTQIAPN+, Dia Nacional das Pessoas Idosas e Dia da Consciência Negra.

O Nós, mulheres da periferia participou do lançamento da série ‘Falas Femininas – Histórias Impossíveis’, nesta sexta-feira (3). O primeiro episódio leva o nome ‘Mancha’ e conta a história da empregada doméstica Mayara que passou no vestibular e tem seu sonho interrompido após um pedido de Laura, sua patroa. O trailer, traz emoção e revolta ao mostrar o momento em que Mayara cai do prédio, enquanto limpa o lado de fora da janela.

Renata Martins conta que o trailer está gerando debates nas redes sociais e que tem recebido relatos de filhos e netos de empregadas domésticas que têm histórias parecidas. Para a roteirista, a identificação vai além das mulheres que trabalham como domésticas, “é sobre as relações da sociedade, em como é difícil a gente dar um passo quando existe um desejo de manter as coisas como elas sempre foram”.

A roteirista Jaqueline Souza complementa que nunca foi empregada doméstica, mas se identifica com a personagem. “Quantas vezes não empurraram a escada para nos ‘por no nosso lugar’ e nós voltamos?”, questiona.

Everlane Moraes, diretora do episódio “Mancha”, afirma que a narrativa trata da real ferida do Brasil, em que a mulher negra está na base da pirâmide social. O episódio busca ainda trazer reflexões para mulheres brancas, que se identificam com a personagem Laura. “O que eu quero mesmo é que empregadas domésticas e patroas assistam ao episódio juntas, que seja constrangedor, e a partir daí se estabeleça um limite”, comenta.

Grace Passô, também roteirista da série Histórias Impossíveis, trás outro ponto de reflexão. “A gente pode se perguntar onde estão as empregadas domésticas na história da teledramaturgia. Eram retratadas mais como trabalho do que como pessoas”.

Verônica Oliveira, ex-faxineira e criadora do perfil Faxina Boa, estava presente no lançamento e se emocionou ao falar da importância da narrativa. “Dois anos atrás eu estava pendurada do lado de fora de um prédio limpando uma janela”.

A atriz Luellem de Castro, que interpreta Mayara, aponta o ineditismo da série. “Eu tenho 27 anos e não me recordo de ter visto algo assim passar na TV aberta. É incrível poder fazer parte disso”, diz.

“Eu espero que a série seja bem recebida, é uma forma diferente de contar histórias, eu não sei o quanto o público da TV aberta está familiarizado com histórias de gênero, então acho que isso vai ser um impacto por si só. É uma narrativa que não traz muitas respostas, ela traz mais perguntas, para gerar debate”, sintetiza Renata Martins.

Negros no cinema

A forma como pessoas negras são abordadas no cinema e a presença delas como profissionais dessa área é preocupação da roteirista Renata Martins desde que cursou a faculdade de Cinema. “O que a gente tem de imaginário negro no audiovisual é mediado pelo olhar do branco”, afirma.

Uma pesquisa da Agência Nacional de Cinema (Ancine) revelou que 75,4% dos filmes nacionais lançados comercialmente em 2016 foram dirigidos por homens brancos. Naquele ano, nenhuma mulher negra assinou a direção, o roteiro ou a produção executiva de um lançamento.

No entanto, Renata aponta que o audiovisual tem grande potencial para tratar de questões de gênero e raça. “Ele traz na sua estrutura narrativa vários sentidos, você vê, ouve, sente. É diferente de uma tela estática no museu. O audiovisual tem uma capacidade de vincular mais”, diz.

A cineasta defende que é preciso reprogramar o imaginário do público acerca da população negra, e isso é feito a partir da produção de novas histórias. Por isso, acha importante que a série seja exibida em TV aberta.