Recentemente, ao visitar a loja de discos com um amigo, conversamos com o vendedor sobre nosso desejo em comum de não perder a capacidade de apreciar o novo. De não nos fecharmos para o consumo de músicas e ideias das gerações mais recentes e futuras.

O medo de envelhecer, para mim, vai além de observar as transformações físicas. Tenho um medo maior de me perder em convicções antigas, em ideais que não podem ser revistos ou ainda envelhecer com ideias que não me permitam contemplar a dinâmica de viver o novo.

Em espaços de religião de matrizes africanas, os mais velhos e as crianças são reverenciados. Observo e admiro o mistério profundo nessa conexão entre o novo e o antigo, um fio condutor que permite que o funcionamento da vida aconteça e que se recriem e se recuperem sentimentos, ideias e tradições.

Há alguns dias, recebi um convite muito especial: comparecer à audição e, posteriormente, ao lançamento do primeiro álbum das Pastoras do Rosário. A audição aconteceu na zona leste da cidade de São Paulo, mais precisamente ali pela Vila Dalila, bairro localizado na Vila Matilde. 

“Lá eu já me sentia em casa. Quintal cheio, jardim com muitas plantas, música, gente feliz, criança brincando. Lembrei do meu batizado, dos aniversários no bairro, das festinhas de quintal em família…”

Aline Bispo

Quanto ao disco ‘Da nebulosa ao brilho’, teve seu show de lançamento no Sesc Vila Mariana, show com uma sensibilidade exclusiva, além de uma apresentação que é cheia de atributos que o fazem crescer aos nossos ouvidos e olhos. Ouvir e ver essas mulheres no palco nos reconecta a esse fio condutor da vida que se recusa a parar.

O grupo é formado por Dona Margarida, Lara de Jesus, Carla Lopes, Marlei Madalena, Sol Majestade, Sandrinha do Rosário, Wilma Ayó e Neuza de Lima. As Pastoras do Rosário nasceram dentro da Comunidade do Rosário dos Homens Pretos da Penha, na zona leste da capital paulista. O grupo traz a preservação da memória histórica e do legado da contribuição negra para sua comunidade e também para a ancestralidade do país.

O lançamento nas plataformas digitais, no último dia 11 de outubro, contou com participações especiais de Lia de Itamaracá, Luedji Luna, Carlos Casemiro, Izzy Gordon, Fabiana Cozza, Sérgio Pererê e Tita Reis/Jongo de Guaianás.

GALERIA 1/9

Integrante Dona Margarida © Guinho Nascimento

Integrante Carla Lopes © Guinho Nascimento

Integrante Lara de Jesus © Guinho Nascimento

Integrante Marlei Madalena © Guinho Nascimento

Integrante Sol Majestade © Guinho Nascimento

Integrante Sandrinha do Rosário © Guinho Nascimento

Integrante Rainha Neuza © Guinho Nascimento

Integrante Wilma AyA © Guinho Nascimento

© Cassandra Mello

Quanto ao título, na astronomia, as nebulosas são grandes nuvens que se formam por poeira e gases, seguindo o release do grupo, são os “berços de estrelas”, que  dançam no tempo e no espaço, conectando passado, presente e futuro, assim como as Pastoras do Rosário. A presença de mulheres negras mais velhas e vivas nos mostra a beleza da ação do tempo, nos lembram da importância de coisas que aprendemos no chão de terreiro, sobre o respeito aos mais velhos e às hierarquias.

Em uma sociedade onde se torna aceitável e comum que mulheres mais velhas parem suas vidas após atingirem uma idade determinada, ou ainda que se dediquem exclusivamente aos lares, a presença das Pastoras é algo revolucionário.

Aproveito para abrir o convite à escuta desse álbum e também para a apreciação e aquisição do material físico, onde as artes de capa e interna foram desenvolvidas pelo artista visual Guinho Nascimento.

Destaco a música “Com cerveja” que contempla a ideia de que viver é se permitir ser movido pelo desejo de aprender, de trocar e também de celebrar. Ou então, se morre mesmo estando vivo, independente da faixa etária.

“Até quebramos pedra / Até levamos areia / Mas hoje eu vou sair / E é pra tomar cerveja / Ê ê ê / Conversar é com cerveja / Até guardamos sonhos / Andamos em estrelas / Somos toda do amor / Mas conversar é com cerveja.”

Trecho da música ‘Com cerveja’ – Pastoras do Rosário