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Brasil registra três queixas de racismo religioso por dia

Relatório “Respeite o meu terreiro” mostra 78,4% dos entrevistados relatando que pessoas em suas comunidades foram vítimas de racismo religioso, sendo 65,8% desse número mulheres.

Por Mariana Oliveira

19|01|2023

Alterado em 24|01|2023

Estabelecido em dezembro de 2007, o dia 21 de janeiro é marcado pelo Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. A data foi definida com a criação da Lei nº 11.635, para promover o respeito, tolerância e diálogo entre as religiões. Além de relembrar a morte da candomblecista Iyalorixá Mãe Gilda de Ogum, vítima de intolerância religiosa, em Salvador (BA) em 2000. Seu terreiro, o Abassá de Ogum, sofreu invasões e ataques de ódio por parte de membros de uma igreja evangélica.

A Constituição Brasileira, em seu Artigo V, determina que a liberdade de crença é inviolável, garantindo o livre exercício dos cultos religiosos e proteção aos locais de culto. Embora vivendo em um Estado laico (imparcial em relação às questões religiosas), a violência contra grupos de religiões de matriz africana ainda é realidade. No levantamento “Respeite o meu terreiro”, inédito no país, promovido pela Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro) e pela entidade Ilê Omolu Oxum e divulgado em 2022,

78,4% dos entrevistados relataram que pessoas em suas comunidades foram vítimas de racismo religioso, sendo 65,8% desse número mulheres.

Para entender a dimensão desses crimes e a importância da data, conversamos com Cristiane Natachi, Coordenadora Geral da Comissão de Liberdade Religiosa OAB SP (Ordem dos Advogados do Brasil), Presidente da Comissão de Igualdade Racial OAB Lapa e Iyalorisá no terreiro Ilê Asé Osundayó, na zona norte de São Paulo (SP).

Iyalorisá Cris D’Osun frequenta religiões de matriz africana desde a infância, e passou por algumas violências dentro do candomblé. Encontrou em sua formação em direito, a possibilidade de ampliar espaços de diálogo contra intolerância. “Eu vi que a sociedade não entende o poder que nós, povo preto, temos para a criação de leis para nos proteger. Percebi que essa ferramenta poderia ajudar a minha comunidade”.

Cristiane explica que a demonização de religiões e culturas de origem africana ocorrem desde que aprendemos sobre África. “A religiosidade mais aceita ainda é a cristã, um padrão histórico colonizador de tentativa de domínio. Esse estigma fere a comunidade porque os nossos ainda passam por uma questão de apagamento religioso e cultural. Não adianta chamar de intolerância religiosa, o termo correto deve ser racismo religioso, porque não atinge um indivíduo, mas toda uma comunidade”.

Tais estigmas geram medo nos praticantes que temem sofrer opressão, como o que aconteceu com a manicure Vivian Bruna Braes em 2022. Vivian foi esfaqueada por um vizinho e perdeu a visão de um olho por ouvir “música de macumba”, em sua própria casa. Ou até como o ocorrido com Iya Paula de Odé, proibida de entrar e realizar o ritual fúnebre de um paciente em hospital no Rio de Janeiro.

Para a advogada, a possibilidade para começarmos a trabalhar a quebra de preconceito começa na escola, oferecendo uma educação correta às crianças, difundindo e letrando sobre as culturas de matrizes africanas.

“Nós precisamos disseminar esse tipo de cultura, falta informação correta para quebrar barreiras do preconceito”.

Ela explica também que as crianças repetem o comportamento de seus cuidadores, e o papel da escola é fundamental. “Acredito que a escola deveria falar sobre direitos e deveres. Falar sobre a Constituição e investir no preparo dos professores para adequação de falas ao lecionar sobre cultura africana e indígena. Devem ser capazes de desmistificar a ideia de que nossos ancestrais eram escravos, porém foram pessoas escravizadas”.

Cristiane se vê otimista no combate ao racismo religioso diante do novo governo, com a possibilidade de mais diálogos entre Ministérios e a população. “Ainda estamos em transição e enfrentamos alguns tipos de violência, mas temos de aproveitar que a pauta está em alta e temos os nossos ocupando algumas cadeiras políticas”

Como denunciar?

É importante o registro oficial e formalização da denúncia desses casos, o relatório “Respeite o meu terreiro” aponta que além da subnotificação dos casos, há indícios de que a maioria das pessoas que chegam à delegacia não conseguem fazer a denúncia da maneira correta.

Durante posse de Anielle Franco como Ministra da Igualdade Racial, o presidente Lula (PT) sancionou lei que equipara o crime de injúria racial ao de racismo, determinando prisão de dois a cinco anos ao indivíduo ou ao grupo que cometeu o crime.

Desse modo, é possível realizar as denúncias pelos canais do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, o Disque 100, o aplicativo Direitos Humanos Brasil. A vítima também pode registrar a ocorrência através da Polícia Militar e, caso o crime envolva mais de uma vítima, deve-se procurar o Ministério Público para realizar a denúncia.