Quais são as opções alimentares no país da fome?

No Brasil, pobres e negros morrem por falta de comida ou por uma alimentação ruim

Por Lívia Lima

Quando eu escutei pela primeira vez a música “Sucrilhos” do Criolo me remeti a como esse era um alimento especial quando eu era criança. A gente quase nunca comia em casa e, quando dava na merenda da escola, era sempre muito requisitado, os alunos esperavam ansiosamente, a fila ficava grande, sempre queríamos repetir.

Na minha infância, na periferia da cidade de São Paulo dos anos 90, comer produtos industrializados era sinal de status, significava enfim ascender ao padrão de consumo das classes médias. Comida congelada, refrigerante, sucrilhos eram itens muito caros para o dia-a-dia.

Em minha casa, uma família de origem das roças de Minas Gerais, o padrão era a comida da feira – legumes, verduras, frutas, ervas. Minha mãe sempre sabia qual chá era bom pra curar qualquer sintoma de doença. Mas esses saberes ancestrais não eram valorizados. 

É incrível como hoje os discursos se inverteram totalmente. A conscientização sobre hábitos alimentares mais naturais e saudáveis é cada vez mais disseminada e incentivada. Hoje o legal (e, de fato, correto) é comer orgânicos, direto da horta. Mas é interessante como essa nova ideologia caminha junto com a exclusão das pessoas pretas e pobres. 

Segundo o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil,  lançado na semana passada pela Rede Penssan, cerca de 33 milhões de pessoas passam fome diariamente no Brasil, e cerca de 58,7% da população sofre de algum grau de insegurança alimentar. Enquanto dentro do país a situação é preocupante, o discurso econômico do governo se orgulha de exportar alimentos para combater a fome mundial. 

A inflação e o empobrecimento generalizado levam as populações mais vulneráveis a recorrer aos alimentos mais baratos

A crise econômica, a inflação e o empobrecimento generalizado levam as populações mais vulneráveis a recorrer aos alimentos mais baratos que, ao contrário do período da minha infância, são os mais incentivados para consumo das classes pobres. Agora que não são mais desejados, agora que são descartados. 

Dados de reportagem do Portal O Joio e o Trigo apontam como os índices de preços de alimentos naturais subiram muito mais que de alimentos ultraprocessados. Enquanto o custo da cenoura subiu mais de 200%, o aumento da salsinha foi de 34%. 

Um levantamento da Covitel revelou que, durante a pandemia, o número de pessoas que consumiam verduras e legumes mais de quatro vezes por semana caiu de 45% para 39,5%. O consumo de frutas caiu de 42,6% para 26,7%. 

Sabemos hoje dos riscos à saúde que uma alimentação pobre em nutrientes e diversidade pode provocar. Um estudo da Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz de 2021, atribui ao consumo em altas quantidades de ultraprocessados o aumento no risco da hipertensão arterial em 23%, e em até 40% de doenças cardiovasculares. 

Também sabemos hoje que a maioria das vítimas de hipertensão e diabetes são pessoas negras. Estima-se que mulheres negras chegam a 50% a mais de probabilidade de ter diabetes do que mulheres brancas.

É triste constatar como o racismo se estrutura, e o genocídio nos mata de diferentes maneiras: a partir do neocolonialismo, que nos impõe padrões de consumo alimentares, destruindo nossas tradições naturais e ancestrais, e a pobreza extrema, que nos relega  agora os alimentos indesejados por quem, no passado, sempre teve sucrilhos no prato.

*Texto publicado no Expresso na Perifa, no Estadão

Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

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