Pseudo-indígenas, de Ana Mendes, é primeiro lugar em mostra na França

A colunista Marcela Bonfim fala sobre o trabalho da fotógrafa Ana Mendes e a importância de valorizar o processo de reorganização das imagens negras e indígenas no campo das artes visuais.

Por Redação

Reorganizar a fotografia à flor da minha pele escura, tem sido a forma mais segura de permear os caminhos com os quais a história ainda permanece segregando a minha imagem e as memórias coletivas, de nossos povos de pele negra e indígena.

Remontar e difundir as nuances que fazem de nós, corpos sujeitos e limitados dentro da nossa própria experiência como imagem, tem trazido ao campo das artes visuais importantes linhas de reflexão e representatividade, essenciais ao alcance da ideia de uma imagem vital.

Isto é uma forma de me pensar como vida antes de ser imagem, onde busco me organizar no plano de dentro e de fora das inúmeras projeções de nossos cotidianos racializados, rompendo com a estética cartesiana sem compromisso e travando contínuas relações com a humanidade e direito de nossos corpos, ainda contrastados pela duradoura mentalidade Brasil-colônia.

Com a ampliação do acesso e da difusão dessas internas formas de reorganização, sobretudo, dentro do contexto preconcebido que é as artes em geral, percebemos nitidamente a pressão dirigida a nossos corpos tidos sujeitos; mas também atalhos de dignificação dessas margens imaginárias.

É assim no caso de “Pseudo-indígenas”, de Ana Mendes, série vencedora do programa “Um Olhar sobre o Brasil”, dedicado à projeção da fotografia documental brasileira no festival Les Recontres d’Arles, na França, no mês julho deste ano, com o tema “Rituais Fotográficos/Rituais de Resistência”.

GALERIA 1/15

Crianças brincam no açude da retomada Cajueiro Piraí do povo Akroá Gamella. Maranhão, 2018

Delimitação territorial da Terra Indígena Dourados Amambai Pegua I dos Guarani e Kaiowá. Mato Grosso do Sul, 2016

Criança toma banho na Retomada Kunumi Verá Põti, Terra Indígena Dourados Amambai Pegua I. Mato Grosso do Sul, 2016. Essa é uma das imagens que têm intervenção em tinta, nanquim e carvão

Mulheres Guarani e Kaiowá na Retomada Kunumi Verá Põti, Terra Indígena Dourados Amambai Pegua I. Mato Grosso do Sul, 2016. Essa é uma das imagens que têm intervenção em tinta, nanquim e carvão.

Enterro de Clodiodi Aquileu de Souza, indígena assassinado em uma das retomada de terras empreendidas pelos Guarani e Kaiowá na Terra Indígena Dourados Amambai Pegua I. Mato Grosso do Sul, 2016. Essa é uma das imagens que têm intervenção em tinta, nanquim e carvão.

Crianças das etnias Guarani e Kaiowá e Kinikinau brincam de ‘bafo’ com santinhos de propaganda eleitoral. Mato Grosso do Sul, 2016. Essa é uma das imagens que têm intervenção em tinta, nanquim e carvão.

Criança Guarani e Kaiowá de 12 anos hospitalizada, após ser ferida em ataque de fazendeiros. Mato Grosso do Sul, 2016. Essa é uma das imagens que têm intervenção em tinta, nanquim e carvão.

Indígena Akroá-Gamella desenha o mapa da “Terra dos Índios”, uma sesmaria delimitada pela Coroa Portuguesa, no século XVIII, destinada aos indígenas. Maranhão, 2018.

Trecho de documento datado de 1921, que menciona documentações mais antigas que comprovam a existência de indígenas na região. Maranhão, 2018

Indígenas Guarani e Kaiowá dançam o guaxiré na Terra Indígena Dourados Amambai Pegua I. Mato Grosso do Sul, 2016.

Boi morto para a realização do ritual de São Bilibeu do povo Akroá Gamella. Maranhão, 2018

Boi morto para a realização do ritual de São Bilibeu do povo Akroá Gamella. Maranhão, 2018

Limpeza do cemitério no Território Taquatitiua do povo Akroá Gamella. Maranhão, 2018

Menina Akroá Gamella na retomada Cajueiro Piraí. Maranhão, 2018

Cova no cemitério Akroá-Gamella. Maranhão, 2018.

Les Recontres d’Arles

Organizado pela Iandé Fotografia, por Glaucia Nogueira, as regiões brasileiras foram representadas pelos seguintes curadores convidados e suas regiões: a região Sul com Sinara Sandri e Lucila Horn; a região Sudeste com Mônica Maia, Eder Chiodetto, Milton Guran e Eugênio Sávio; a região Centro-Oeste: com Diógenes Moura e Denise Camargo; a região Nordeste com Marcelo Reis, Eduardo Queiroga e Tiago Santana; a região Norte com Mariano Klautau, Makiko Akao e Marcela Bonfim; e pela França Ioana Mello.

O celebrado “Pseudo-indígenas é parte da composição curatorial que apresentei ao programa, também atravessado pelo trabalho de Joelington Rios, em “O que sustenta o Rio”; garantindo à região Norte, a premiação e participação no PhotoDoc e Paris Photo, em novembro, com o processo fotográfico de Ana Mendes, 36, gaúcha que atualmente reside no Estado do Pará, onde partilha a vida com a companheira paraense e também fotógrafa documental, Nay Jinknss.

Brasil na França
Em novembro, a feira do PhotoDoc e Paris Photo, exibirá além do premiado  Pseudo-indígenas, o segundo e terceiro lugar; respectivamente, O Grande Vizinho, por Rodrigo Zeferino, e Eu Sou Xakriabá, pelo indígena Edgar Kanaykõ; ambos da região Sudeste, e mais a série Transparências do Lar, por Illana Bar, que recebeu menção especial do júri francês, pela região Sul.

A grande contribuição do ensaio de Ana

Ascender as pautas do enfrentamento ao genocídio das populações indígenas e deslocar a discussão para o centro do debate racial foi um dos aspecto mais fluentes do processo de reorganização imaginária realizado por Ana. Também demarcadas por uma espécie de imagens-interferências, gravadas em carvão e nanquim, internalizadas nas imagens registradas pela documentação das vulnerabilizações dirigidas principalmente aos Akroá-Gamella do Maranhão, povo afrontado em sua identidade por apenas defender seu legado, memória e territórios, oficialmente extintos pelo Estado brasileiro, embora vivos e lutando para provar a própria experiência de humanidade.


É economista e vive em Rondônia. Adquiriu uma câmera fotográfica e no lugar das ideias deu espaço a imagens de uma Amazônia afastada das mentes do lado de fora. Escreve sobre imaginários, imagem, negritude.


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Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

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