População negra é a mais afetada pela violência da guerra às drogas, revela pesquisa da Iniciativa Negra
Organização Iniciativa Negra divulga pesquisa sobre impacto da guerra às drogas na população negra e medidas de reparação e traz relatos de vítimas
Por Beatriz de Oliveira
16|06|2023
Alterado em 16|06|2023
A população negra é a mais afetada pela violência decorrente da guerra às drogas, no entanto, raramente é protagonista nos debates sobre medidas de reparação e superação do tema. Com isso em mente, a Iniciativa Negra Por Uma Nova Política Sobre Drogas lançou nesta quinta-feira (15) a pesquisa “Iniciativa Negra por Direitos, Reparação e Justiça”, em que grupos diretamente atingidos pela guerra às drogas apresentam suas visões sobre o cenário atual.
Foram ouvidas vítimas de injustiças criminais nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Pará, Bahia e Distrito Federal, sendo a maioria dos entrevistados negra, totalizando 90%. Os pesquisadores organizaram também um panorama das medidas de reparação e justiça, incluindo um levantamento de marcos conceituais, iniciativas legislativas e políticas públicas de reparação já existentes.
O conceito de guerra às drogas surgiu na década de 1970 nos Estados Unidos, como ferramenta do governo para justificar a militarização a fim de combater o narcotráfico; tratando o tema a partir de uma visão proibicionista, em que as drogas seriam a causa para aumento de violência na sociedade. No entanto, desde a implantação de políticas alinhadas à guerra às drogas, o que temos como resultado é o assasinato de pessoas negras e pobres; sem uma efetiva diminuição do narcotráfico.
A publicação do estudo ocorre num contexto em que se aproxima a retomada do julgamento sobre a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal pelo Supremo Tribunal Federal (STF), marcado para 21 de junho. Neste dia, os ministros da Corte vão julgar a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, que considera crime adquirir, guardar, transportar ou cultivar drogas, para consumo pessoal.
Em relação ao tema segurança pública prevaleceram as percepções acerca da seletividade e violência em abordagens policiais contra pessoas negras. “Quando você escuta ‘polícia vai entrar’ é o medo que você sente, então acho que tem esse processo de construção de imagético mesmo do Estado como opressor, violento”, afirmou uma mulher negra do Rio de Janeiro (RJ).
Em relação à guerra às drogas, os entrevistados apontaram que a principal consequência é o assassinato de pessoas negras, uma realidade intimamente ligada ao período escravocrata vivido no país. “O Brasil nunca lidou bem com o seu passado escravista. A seletividade da política de drogas proibicionista é um instrumento para a acomodação e a manutenção das atuais injustiças que traçam linhas de continuidade com aquele regime”, diz um trecho da pesquisa.
A descriminalização das drogas e a regulamentação de seu consumo foram indicadas como as principais medidas para enfrentar esse cenário. “A gente precisava minimamente regulamentar, mas uma regulamentação que envolva reparação com essas pessoas trabalhadoras e que até aqui tem sustentado, é, esse trabalho, essa profissão, com a própria vida, assim, correndo risco”, disse uma mulher negra trans de São Paulo (SP).
Entre as medidas de reparação sugeridas pelos participantes estão transformações no sistema de justiça e penal, além do reconhecimento do Estado como responsável pelos crimes cometidos no contexto da guerras às drogas. Também foi mencionada a necessidade de restituição financeira às vítimas e maior acesso a políticas públicas.
“Eu acho que o acompanhamento real posterior de uma equipe multidisciplinar, porque muitos são os efeitos psicológicos de uma prisão e do, pra uma pessoa. E em geral essas pessoas não têm acesso a um psicólogo, a um psiquiatra, uma terapia”, sugeriu uma mulher negra de São Gonçalo (RJ).
Em nota, a socióloga e cofundadora da Iniciativa Negra, Nathalia Oliveira, ressaltou que a responsabilização do Estado só ocorrerá a partir da produção de dados e conhecimento sobre o tema. “Só assim, será possível reparar todos os danos sofridos nos territórios”.
Em relação aos gastos com reparação financeira e ampliação de políticas públicas, os pesquisadores argumentam: “se é verdade que o custo dessa ação causa um impacto no orçamento público, ele também pode ser visto como investimento no desenvolvimento menos desigual e mais justo do país”.
O estudo traz ainda seis recomendações no enfrentamento à guerra às drogas: construção da Memória, Justiça e Verdade (comissão para investigação do cenário de guerra às drogas no país); reparação às comunidades afetadas; anistia a pessoas envolvidas no conflito; mudanças legislativas e institucionais para o fim do conflito; melhoria nas leis para drogas lícitas; e regulamentação da cannabis.
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