Mulheres negras em mesa de debate

Pesquisadoras rebatem fala de Lula sobre ministra negra no STF 

Lançamento do estudo "Mulheres negras pela transformação do Poder Judiciário” faz parte das mobilizações por ministra negra no STF

Por Beatriz de Oliveira

27|09|2023

Alterado em 27|09|2023

Lançado nesta terça-feira (26), o estudo “Mulheres negras pela transformação do Poder Judiciário” é mais uma das ações realizadas por organizações do movimento negro por uma ministra negra no Supremo Tribunal Federal (STF). O material, publicado pelo movimento Mulheres Negras Decidem, resgata a contribuição de juristas negras e analisa a atual composição do Poder Judiciário, evidenciando a falta de diversidade.

Com base em dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o relatório aponta que 83,8% dos magistrados (profissionais que atuam no Poder Judiciário) são brancos. Além disso, em 36 dos 92 dos tribunais não há nenhum magistrado preto. “O judiciário reproduz a lógica excludente do racismo”, pontua a Rosana Rufino, advogada e Presidente da Comissão da Verdade Sobre a Escravidão Negra no Brasil (OAB-SP).

O documento destaca a mobilização de juristas negros para a ampliação do debate sobre gênero e raça no meio jurídico. Um exemplo é o “I Encontro Nacional de Juízas e Juízes Negros, realizado em 2017. Entre os resultados das movimentações, está o Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial, lançado em 2019 pelo CNJ. 

Estudo em papel e microfone

Estudo "Mulheres negras pela transformação do Poder Judiciário”

©Milena Sampaio

As autoras do relatório ressaltam a importância das trajetórias de nomes como o de Esperança Garcia, mulher negra escravizada que escreveu uma carta ao governador de sua capitania denunciando as situações de maus tratos que ela e seus companheiros sofriam. Como os elementos da carta a caracterizam como uma petição, ela é considerada a primeira advogada do Brasil. Além disso, Mary de Aguiar Silva é reconhecida como a primeira juíza negra do Brasil, por sua atuação como juíza de direito a partir de 1962.

Mesmo que sem formação em Direito, várias mulheres negras contribuíram para a construção da Constituição de 1988. O documento ressalta a atuação dos coletivos Reunião de Mulheres Negras Aqualtune e Nzinga – Coletivo de Mulheres Negras durante a primeira fase da constituinte. Além disso, algumas personalidades participaram de comissões da constituinte, como Helena Theodoro, Lélia Gonzalez e Benedita da Silva.

Quem se incomoda com a mobilização por uma ministra negra no STF? 

Para a advogada Rosana Rufino a indicação de uma mulher negra não resolve os problemas de representatividade no STF, mas representa um avanço pela busca da justiça social. Afinal, nunca houve uma mulher negra ocupando uma das cadeiras da Corte. 

Segundo as pesquisadoras, a predominância de homens brancos no STF pode ser entendida a partir da lógica da branquitude, que é o privilégio das pessoas brancas em sociedades racistas.

Se, em 132 anos de história, dos 171 ministros que passaram pelo tribunal, apenas três foram homens negros e não houve nenhuma mulher negra, existe um pacto implícito de que, via de regra, os ministros indicados serão homens brancos

Trecho do estudo

Contrariandoo que foi apontado pelo relatório e as reivindicações do movimento negro, o presidente Lula (PT) afirmou nesta segunda-feira (25) que gênero e cor não serão critérios usados para a escolha do próximo ministro do STF. “Eu estou muito tranquilo de escolher uma pessoa que possa atender os interesses do Brasil. Uma pessoa que tenha respeito pela sociedade brasileira”, disse.

Essa declaração foi lembrada durante o lançamento do estudo “Mulheres negras pela transformação do Poder Judiciário”. Jheniffer Ribeiro, assistente de comunicação do Movimento Mulheres Negras Decidem, pontua que, pela predominância de ministros brancos, gênero e cor têm sido critérios de escolha, mesmo que de forma implícita, e que fala do presidente demonstra como homens brancos se veem como universais. “A fala do presidente foi racista”, resume.

Rosana Rufino, por outro lado, argumenta que o discurso de Lula atende aos interesses das classes dominantes e reforça a ideia de que homens brancos têm racionalidade superior.  

Por fim, a advogada lembra que não faltou disposição de Lula durante a campanha eleitoral para dialogar com pessoas negras em quem confiava. Falta agora, boa vontade em ouvir quem essas mesmas pessoas apoiam para a vaga no STF.