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Organização pessoal é uma aliada para diminuir os atrasos

Isis Almeida, criadora do projeto “Se organiza, bonita”, reúne dicas para diminuir a sobrecarga e melhorar a organização pessoal e profissional.

Por Mariana Oliveira

05|07|2022

Alterado em 08|07|2022

Personalidade, contexto social, cultura, momento de vida. São muitos os motivos que podem atribuir a alguém a característica de pontual ou não.

“Quando falamos de mulheres e homens negros e de periferia precisamos olhar para essas questões relacionadas à mobilidade urbana, precisamos olhar o que de políticas públicas eles acessam para poder chegar pontualmente no seu local de destino”, diz Isis Almeida, fundadora do Projeto “Se organiza, Bonita”. “A partir disso, temos que traçar estratégias para evitar atrasos de forma contínua”. Em seu projeto, Isis ensina e reflite sobre organização pessoal, planejamento e produtividade de forma acessível para mulheres negras e pessoas periféricas.

Em um artigo publicado na BBC Brasil, especialistas analisam a pontualidade e o atraso como reflexo de nossa personalidade, se tratando de um comportamento psicológico.

No artigo, o psicólogo social Oliver Burkman afirma que aqueles que chegam tarde mantêm um perfil controlador. Em contrapartida, Diana DeLonzor, especialista em administração de tempo, os divide em dois perfis: os acelerados, quem deixa tudo para a última hora. E os produtores, que acreditam poder produzir muito mais diante dos prazos. Para os pontuais, o autocontrole é sua característica marcante.

Um outro estudo, veiculado na Revista Galileu, destaca riscos à saúde e perigos de manter uma rotina acelerada devido aos atrasos. Essa movimentação está relacionada à adrenalina que faz com que nos sintamos capazes de qualquer coisa. Por outro lado, essa ansiedade pode refletir no desenvolvimento de pressão alta, arritmias cardíacas ou doenças cardiovasculares.

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Isis Almeida, fundadora da página Se Organiza, Bonita!

©Maiara Cerqueira

O que não é abordado em nenhum deles é o recorte periférico e distantes do padrão branco, europeu, masculino e heterocentrado. Dessa forma, Isis convidada para o episódio #62 do podcast Conversa de Portão para explicar Por que a gente atrasa?

Confira a entrevista e se atente às dicas

Nós, mulheres da periferia: De modo geral, porque e nos atrasamos em compromissos?

Isis Almeida: Se formos falar em contexto biológico, temos a questão da personalidade da pessoa. Mas em um contexto social, precisamos definir marcadores como gênero, raça e classe. E além deles, a cidade onde você mora, a rua, o bairro, o município, o estado, a cultura desse estado, o país.
Definindo esses pontos, é importante falar sobre a meritocracia, porque estamos no Brasil, em um contexto político que não favorece a organização pessoal para pessoas como eu: jovens, pretas e periféricas. Ou até mesmo pessoas em outros contextos, como o de mães solo, por exemplo.

Nós: Você acha que esses atrasos estão relacionados aos traços de personalidade agregados ao contexto social?

Isis: Tem um pouco a ver com questão de personalidade, porque eu, por exemplo, dou consultoria de organização pessoal e já atendi pessoas com todos os privilégios para ser uma pessoa pontual, possui carro, mora próximo do local de trabalho, ou trabalha em home office, mas ainda assim não consegue ser pontual.

Nós: Como podemos falar do atraso a partir de nossa realidade?

Isis: Quando falamos de mulheres negras, pessoas de periferia, precisamos olhar para questões como mobilidade urbana. O que acessa de política pública para chegar pontualmente nos lugares.

Nós: Quais dicas que você dá para mulheres que são mães solo e precisam conciliar a agenda com a do filho, de quem cuida da criança, trabalho e outros compromissos?

Isis: Na maioria das vezes são pessoas sobrecarregadas e procuram um um olhar externo para se atentar para a organização e retirar o planejamento do papel. Na consultoria, a gente trabalha para diminuir a sobrecarga ou para que, essa mulher enxergue a sobrecarga e trabalhe em sua organização. Para que futuramente possa estar na posição de delegar. A solução da sobrecarga é abrir mão de determinadas demandas e atividades para saber priorizar tarefas.

Nós: Por que perdemos o controle a ponto de ficarmos sobrecarregadas?

Isis: Nós, mulheres negras, não fomos educadas para saber dizer não. Fomos colocadas no lugar de provir, educar, dar conta da nossa agenda e da de terceiros. Sobretudo o não saber dizer não, inclusive a si mesma, isso dificulta nossa organização.

Nós: Existem métodos para colocar essa organização em prática?

Isis: Planejamento estratégico. Dizer a si mesma quais os caminhos deverá percorrer para alcançar determinada meta. Atividades simples podem ser divididas em micro-tarefas, as quais poderá entender quais excluir ou delegar. A partir daí, passa para o lado da produtividade. O planejamento que está apenas no papel é inválido.

Nós: Como podemos pensar no “chegar atrasada” para além do bem e do mal. Porque nos atrasamos em algumas tarefas e em outras não?

Isis: Quando há um compromisso que envolve outras pessoas, se torna malefício ou quando uma urgência, temos tendência a cumprir com maior facilidade. Se há algo que era importante e não foi feito naquele momento irá se tornar uma urgência, e seu cérebro entende que caso não cumpra, terá um malefício.
Tenho observado que mulheres negras têm forte tendência em conseguir cumprir com prazos e serem pontuais quando envolve outras pessoas. Normalmente as atividades que costuma atrasar, são aquelas que trarão benefícios a si própria.

Nós: Há algum malefício para saúde da pessoa que atrasa?

Isis: Normalmente a sobrecarga de tarefas afeta as relações pessoais, até mesmo as profissionais. Ao gerar tendência em atrasar suas coisas pessoais, o autocuidado ou os projetos pessoais, passa a atrasar no trabalho, consequentemente uma bola de neve.

Nós: Você tem mais dicas para deixar para as leitoras do Nós, mulheres da periferia?

Isis: É importante termos consciência de nossas prioridades e estar bem com nossa saúde física e saúde mental. Primeiro você organiza a casa. A primeira casa que habitamos é o nosso corpo. Você precisa cuidar dessa casa.

Antes de aderir uma ferramenta ou método, é importante adotar uma mentalidade, pois cada mentalidade de organização, como chama, é variável conforme experiência individual. Organização é o macro. O planejamento é o meio do caminho. A produtividade é a consequência. O segredo é seguir as etapas para que este processo se torne rotina e, a longo prazo, ajudar outras pessoas.

Aprender a respeitar o nosso tempo, para que possamos viver bem e de maneira organizada individualmente e coletivamente é uma necessidade vital.

Ouça ao episódio!: