Tarcísio de Freitas olha para o lado

O que uma eventual eleição de Tarcísio significa para São Paulo?

Para Luciana Araújo, militante da Marcha das Mulheres Negras de São Paulo, as propostas do candidato são danosas à população negra e pobre do estado.

Por Beatriz de Oliveira

18|10|2022

Alterado em 18|10|2022

“O resultado foi maravilhoso, eu não tenho palavras para agradecer a população do estado de São Paulo”. Foi o que afirmou Tarcísio de Freitas (Republicanos) no dia 2 de outubro logo após saber que saiu vitorioso do primeiro turno para a eleição de governador, ao contrário do que apontavam as pesquisas.

De acordo com o estudo mais recente do Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica), o candidato bolsonarista tem vantagem sobre o adversário Fernando Haddad (PT). São 53% dos votos válidos contra 47%.

Para ter perspectivas do que pode significar uma eventual vitória de Tarcísio no estado de São Paulo, o Nós, mulheres da periferia conversou com Luciana Araújo, jornalista, militante da Marcha das Mulheres Negras de São Paulo e coordenadora de comunicação do Sintrajud (Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal no Estado de São Paulo).

Entre as propostas do candidato está a retirada de câmeras em uniformes policiais, medida que reduziu em 80% a letalidade policial nos batalhões que aderiram ao uso, segundo dados obtidos pelo Uol. Para Luciana, retirar as câmeras é um retrocesso: “será um verdadeiro plano de expansão das milícias fluminenses para o estado de São Paulo, que levará ao avanço do genocídio negro e também vai impactar em mais mortes de policiais”.

Tarcísio de Freitas é carioca e reside em Brasília. Nunca morou em São Paulo, fato que é bastante usado em críticas contra o candidato, que inclusive, em entrevista à canal de televisão não soube dizer seu local de votação, nem ao menos o nome do bairro.

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Luciana Araújo é militante da Marcha das Mulheres Negras de São Paulo.

©arquivo pessoal

Ex-ministro da Infraestrutura do governo de Jair Bolsonaro (PL), Tarcísio foi diretor do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes) no governo Dilma Rousseff. É engenheiro civil, estudou na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras) e é oficial da reserva do Exército.

Uma eventual vitória de Tarcísio de Freitas no segundo turno das eleições 2022, no dia 30 de outubro, pode representar um pólo de manutenção do bolsonarismo. “Se o fascismo ganhar aqui a gente vai estar em muito pior situação para se defender e cobrar de Lula [caso seja eleito] os compromissos que assumiu com nosso povo”, alerta Luciana.

Confira a entrevista completa.

Nós, mulheres da periferia – Nas pesquisas eleitorais do primeiro turno das eleições 2022 Tarcísio de Freitas estava atrás de Fernando Haddad. Mas saiu vitorioso nessa primeira etapa. Agora, as pesquisas avaliam vantagem de 6% dos votos válidos para o candidato bolsonarista. A que se deve o sucesso de Tarcísio, que inclusive, nunca morou em São Paulo?

Luciana Araújo – Primeiramente ao dinheiro público liberado por ele a prefeituras do interior quando era ministro da Infraestrutura, o que articulou uma estrutura “subterrânea” de campanha enraizada. Ou seja, a velha apropriação privada que move as estruturas de poder no país desde as capitanias hereditárias.

Em segundo lugar, uma ação organizada do bolsonarismo para desmoralizar os institutos de pesquisa por meio da mentira de respondentes bolsonaristas a pesquisadores sobre sua intenção de voto.

Em terceiro, uma aliança antes tácita e agora formalizada de setores da grande capital paulista ao bolsonarismo. O projeto genocida de Estado que essa parcela do capital estruturou no Brasil depende do bolsonarismo para manter seus privilégios e taxas de lucros. Depende do fomento ao racismo, à xenofobia, à misoginia para lucrar.

Nós, mulheres da periferia – Entre as propostas de Tarcísio de Freitas está a retirada de câmeras em uniformes policiais. Além disso, o candidato diz querer dar força à discussão nacional sobre diminuição da maioridade penal. Como essas medidas podem impactar a população paulista?

Luciana Araújo – Sem as câmeras, voltaremos à tragédia que levou São Paulo a bater recordes de assassinatos praticados por agentes do estado mesmo durante a pandemia, quando menos pessoas circulavam. Será um verdadeiro plano de expansão das milícias fluminenses para o estado de São Paulo que levará ao avanço do genocídio negro e também vai impactar em mais mortes de policiais [a partir da implantação de câmeras corporais houve diminuição no número de mortes de policiais].

As milícias começaram a agir no RJ em setores da PM que atuavam nas sombras, matando “bandidos” para “acalmar” comunidades. O estado foi leniente e elas passaram a cobrar pela “segurança” garantida. Depois tomaram conta de parte do poder público, como mostrou a CPI das Milícias e, posteriormente, as prisões de diversos políticos fluminenses.
As câmeras nos uniformes são a forma mais eficiente de combater malfeitos nas polícias e registrar quem atacar um policial em serviço. Ao tirar o equipamento, o estado manda a mensagem “pode fazer malfeito que seremos lenientes” aos maus policiais, e deixa os bons policiais desguarnecidos do registro do ataque que sofrerem.

Junto com a defesa da redução da maioridade penal, a proteção do governo do Estado à atuação ilegal de policiais é parte de um projeto de extermínio da população negra e pobre, que passa pela “legalização” e naturalização de crimes como as chacinas de Osasco-Barueri e Paraisópolis, o assassinato de Luana Barbosa.

Nós, mulheres da periferia – No primeiro debate após o primeiro turno das eleições 2022, Tarcísio falou sobre a possibilidade de privatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), alegando que as contas de água poderiam diminuir. Essa afirmação é válida?

Luciana Araújo – Mais uma fake news. Historicamente as privatizações não reduziram os custos ao usuário de nenhum serviço. Popularizou a telefonia, mas o custo não foi reduzido na proporção do aumento do número considerável da telefonia, e os problemas que a gente continua enfrentando com as operadoras todo mundo conhece e tem vários para contar.

Além disso, um governo do desmatamento, da boiada passando, vai gerar mais seca e, consequentemente, água mais cara. E, óbvio, a água e o serviço de esgoto privados vão dar cada vez mais prioridade a quem pode pagar mais. Vai faltar mais água nas periferias e favelas para garantir piscina cheia para os endinheirados e vai piorar o acesso à saneamento, no país onde quatro em cada 10 pessoas já não tem esgoto canalizado e tratado. O que vai estar garantido é menos água e esgoto e mais doença para pobres, negros e periféricos, com conta mais alta.

Nós, mulheres da periferia – Em caso de vitória de Tarcísio, é válido crer que seu mandato seja pólo de manutenção do bolsonarismo mesmo em eventual perda de Jair Bolsonaro na disputa presidencial?

Luciana Araújo – Com certeza! O resultado das eleições para o Senado, Câmara dos Deputados e governos estaduais, vai ser uma ameaça permanente de novo golpe, como forma de chantagear e arrancar vantagens do governo Lula, de pressão permanente para um governo contra os interesses do povo. São Paulo tem um papel chave nisso. Se o fascismo ganhar aqui a gente vai estar em muito pior situação para se defender e cobrar de Lula os compromissos que assumiu com nosso povo.

Nós, mulheres da periferia – De modo geral, como acredita que será o mandato de Tarcísio, em caso de vitória, e o que ele significará para a população negra do estado?

Luciana Araújo – Uma tragédia. Vai ser a repetição do modo fluminense de governar dos últimos anos, com piora dos históricos ataques racistas às comunidades, periferias, favelas, negros, mulheres e indígenas. Vamos ter mais fome, pessoas em situação de rua e violência do Estado para aumentar cada vez mais a desigualdade social.