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O que o coração do Faustão tem a ver com a saúde população negra?

O apresentador Faustão recebeu um coração novo após 22 dias internado, enquanto Mc Marcinho foi removido da fila de transplantes.

Por Mariana Oliveira

31|08|2023

Alterado em 01|09|2023

O apresentador Fausto Silva foi submetido a um transplante de coração no dia 27, após uma internação que teve início em 5 de agosto para tratamento de insuficiência cardíaca. No dia 26 de agosto, o Brasil lamentou a perda do cantor de funk MC Marcinho, que estava internado desde 10 de julho com um quadro de insuficiência cardíaca e renal, que levou a uma infecção generalizada e falência dos órgãos.

Os desiguais desfechos em circunstâncias aparentemente semelhantes chamam a atenção e levantaram um debate importante sobre a saúde da população negra.

Márcio André Nepomuceno Garcia, artisticamente conhecido como MC Marcinho foi um cantor e compositor de funk. O artista ganhou notoriedade nos anos 2000 com os hits “Glamurosa”, “Rap do Solitário” e “Princesa”.

Mas, afinal, por que Faustão passou pelo transplante e o funkeiro não?

Fausto e Marcinho não estavam com as mesmas condições clínicas. Fausto tinha a necessidade de diálise e uso de medicamentos para auxiliar no bombeamento do coração. O quadro o colocava como prioridade na fila.

Já Marcinho já havia recebido um coração artificial em julho e enfrentava outras complicações, segundo relatou a equipe médica do músico, que juntas inviabilizavam o transplante. O músico teve uma infecção generalizada, no dia 22 de agosto, sendo retirado da lista de espera para transplante do coração. Desde então, o artista dependia de ventilação mecânica e hemodiálise.

De acordo com os números do Registro Brasileiro de Transplantes (RBT), mais de 55 mil indivíduos estão atualmente na fila de espera por órgãos. Considerando a distribuição por gênero, homens se destacam como os principais doadores, compreendendo 57% do total. O relatório da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), divulgado em 2017 e baseado em dados coletados pelo Ipea em 2008, demonstrou que a população negra representava 67% dos atendimentos realizados pelo SUS, enquanto a população branca correspondia a 47,2%. É relevante ressaltar também que, de acordo com o PNSIPN, 78,8% das pessoas negras não possuem plano de saúde.

Em vídeo publicado pela química e cientista Kananda Eller, a médica de família e comunidade Denize Ornelas, comenta que essa disparidade e falta de políticas publicas pensadas na saúde da população negra, faz com que homens negros sejam os maiores doares de órgãos, enquanto a população branca mais recebe.

Fatores externos também são contribuem para essa desiguladade. Em 2019, mais de 30 mil pessoas morreram de morte violênta por armas de fogo, 73% desse número eram homens negros, foi o que mostrou o estudo “Violência armada e racismo: o papel da arma de fogo na desigualdade racial”, do Instituto Sou da Paz.

Por isso, há a necessidade de cruzar os dados de desigualdade ao acesso à saúde e causas de mortalidade da população negra. “As pessoas que mais recebem são as brancas, pelos motivos de terem mais acesso ao sistema de saúde, mais acesso à cuidados em saúde, que vão permitir o prolongamento da vida dessas pessoas”, explica Denize.

Conforme aponta o PNSIPN, entre as doenças mais frequentes na população negra estão a anemia falciforme, diabetes mellitus tipo II, hipertensão arterial e deficiência de G6PD.

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Anemia Falciforme: Doença hereditária, que atinge entre  2% a 6% na população brasileira em geral, e 6% a 10% na população negra. A anemia falciforme é uma mutação genética ocorrida no continente africano causada por uma anormalidade nos glóbulos vermelhos, e chegou ao Brasil pelo tráfico de pessoas escravizadas.

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Diabetes mellitus (tipo II): No diabetes tipo II, o organismo não produz insulina, ou produz uma quantidade insuficiente, fazendo com que o nível de glicose (açúcar no sangue) seja alto. A diabetes mellitus se desenvolve na fase adulta, a quarta causa de morte e a principal causa de cegueira adquirida no Brasil.

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Hipertensão arterial: A doença, caracterizada pelos níveis elevados da pressão sanguínea nas artérias, atinge entre 10% e 20% dos adultos, sendo a causa direta ou indireta de 12% a 14% de todos os óbitos no Brasil. O Ministério da Saúde aponta que em cerca de 90% dos casos, a doença é herdada dos pais.

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Deficiência de G6PD: A deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase, Afeta mais de 200 milhões de pessoas no mundo desse número 13% representam negros americanos. A doença é hereditária e a falta dessa enzima resulta na destruição dos glóbulos vermelhos, levando à anemia hemolítica, estado em que a medula óssea não consegue repor os glóbulos vermelhos.

Entendendo o funcionamento da fila de transplantes

Segundo dados do Ministério da Saúde, o Brasil se destaca como o segundo maior realizador de transplantes de órgãos do mundo, sendo que 88% desses procedimentos são conduzidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Somente no primeiro trimestre de 2023, o país registrou 97 transplantes cardíacos bem-sucedidos.

Embora o relatório do Ministério da Saúde não ofereça uma análise estratificada com base em raça, vale destacar a pesquisa “Desigualdade de Transplantes de Órgãos no Brasil: Análise do Perfil dos Receptores por Sexo, Raça ou Cor”, realizada em 2011 pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Esta pesquisa, que continua sendo a mais recente fonte de dados sobre o assunto, revelou que 56% das pessoas que receberam novos corações eram identificadas como brancas, contrastando com a porcentagem inferior a 10% de pessoas negras que passaram pelo procedimento.

Gerida pela Secretaria Nacional de Transplantes (SNT), a lista de espera por órgãos é universal e abrange tanto a rede pública quanto a privada. A organização da fila ocorre com base na ordem de entrada dos pacientes, sendo que a classificação leva em consideração tanto a gravidade da condição de saúde quanto a compatibilidade genética entre doador e receptor.

A obtenção de uma autorização de um parente vivo até o quarto grau é um requisito indispensável para a doação de órgãos, tornando crucial a comunicação prévia da intenção de ser doador à família. No caso de doadores vivos, indivíduos a partir dos 18 anos têm a prerrogativa de doar órgãos sem necessidade de aprovação familiar. Mediante avaliação médica, é possível doar órgãos como um dos rins, parte do fígado, uma porção da medula ou parte dos pulmões.