O Prouni não realizou só meu sonho, mas de minha mãe e de um país todo

A jornalista Jéssica Moreira, formou-se no ensino superior graças ao Prouni. Confira seu relato! "Ouso dizer que realizou o sonho de uma vila, um bairro, um país todo"

Por Redação

08|12|2021

Alterado em 08|12|2021

Antes da casa própria, minha mãe sempre teve um sonho pra mim: o da universidade.

Ela sempre me acompanhou em todas as provas vestibulares. Eram três, quatro horas a fio, sem contar o tempo do transporte. Ela rezava para todos os seus santos do lado de fora. Enquanto ela passava ou lavava a roupa como empregada doméstica,  também rezava. 

Quando eu disse que havia passado no Prouni (Programa Universidade para Todos), numa manhã de julho de 2009, ela pediu um dia de folga, para atravessar mais de duas horas de trem e metrô e  levar toda a documentação exigida.

Com as mãos cheias de sacolas, comprovantes de residência e xerox de RG, a mãe continuava rezando. Enquanto analisavam os documentos, a mãe continuava rezando. Seis meses antes, fizemos o mesmo processo, mas a turma não vingou.

Lembramos de quando eu tinha seis anos, e ela teve que rodar os Conselhos Tutelares para conseguir uma vaga no Ensino Fundamental. No Ensino Médio, a mãe me levava no ponto às 5h da manhã, naquele breu, e na mesma escuridão ia me buscar à meia noite. Tudo isso passou na cabeça da mãe quando a moça do outro lado do balcão disse que estava tudo certo, as aulas da faculdade iriam começar em agosto. 

Nessa hora, nós duas lembramos quando a mãe chegou do Conselho Tutelar e, na alegria dos meus seis anos, eu pulava no sofá dizendo “vou estudar”. Agora, mais uma vez, a gente chorava.

Com o Prouni, não era só o meu sonho que estava garantido, mas o da mãe, do pai, da vó, de uma família toda. Ouso dizer que de uma vila, um bairro, um país todo que, em sua geração, não pôde estudar. 

Naquele dia, a vó acendeu uma vela a Santa Filomena, protetora dos estudantes. Agradeceu, a neta iria se formar. Ela dizia que eu trabalhava para ouvir mulheres. Hoje, eu conto histórias das periferias porque, um dia, uma política pública chamada Prouni permitiu que o sonho da minha mãe, e cerca de outras três milhões de mães fosse palpável e pudesse também reverberar na nossa vida periférica. 

As mudanças do Prouni podem gerar novos obstáculos para os sonhos de muitas Jéssicas, muitas mães e muitas avós, que durante esses anos sonharam ver as netas além do muro que existe para nós da ponte pra cá.


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